Bella Piero já consolidou seu nome como atriz e roteirista no cenário brasileiro, sendo reconhecida por papéis impactantes em novelas de sucesso como “Verdades Secretas”, onde interpretou Nina, e “O Outro Lado do Paraíso”, no papel de Laura. Com formação em artes cênicas pela PUC e teatro pela CAL, sua paixão pela atuação começou cedo: aos sete anos, já fazia aulas de teatro. Foram dez anos dedicados aos palcos antes de expandir sua arte para o audiovisual, onde aprendeu na prática, ao lado de grandes mestres da dramaturgia brasileira, como Fernanda Montenegro e Mauro Mendonça Filho.
Vencedora de prêmios como Nelson Rodrigues de Referência em Artes Cênicas e Melhores do Ano como atriz revelação, Bella atualmente comemora a estreia de seu novo longa, “Meu Casulo de Drywall”, que teve sua première mundial na sessão Global do festival norte-americano SXSW 2023, em Austin, Texas. Este é apenas um dos desafios recentes da carreira da atriz, que também retorna à TV em 2024, no elenco da novela das 18h da TV Globo, “Garota do Momento”. Além disso, Bella contracena com Arnaldo Jabor no filme “Meu Último Desejo”, uma experiência que ela descreve como “revolucionária” em sua trajetória.
Em entrevista para o Caderno Pop a atriz abriu o jogo sobre saúde mental, personagens intensos e novos projetos, confira conversa completa:
Em “Meu Último Desejo”, você descreve a personagem Lu como caleidoscópica. O que te fascina em personagens multifacetadas e como elas te impactam fora do set?
“Acredito que uma das coisas que mais me fascina na arte é a volatilidade da matéria prima humana, a verdade da contrariedade presente em cada oscilação, ação e direção, e o quanto isso se aproxima da vida real. Eu gosto muito de tentar compreender como funciona a mente do outro, e acredito que essa particularidade endossa minha atriz sempre curiosa e atenta sobre composição e sobre as várias versões que cabem dentro de nós. A frase clássica do Heráclito “ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio”, costuma me guiar na vida e dentro de cena. Também acredito que ninguém pode compor a mesma personagem duas vezes, ou sequer, fazer a mesma cena duas vezes. O que reafirma, na minha percepção, a beleza sobre a originalidade do processo de construção cênica, e como a arte imita a vida ou a vida imita a arte (risos). Isso não fica muito distante na vida real. Quem me conheceu há duas semanas atrás precisa me conhecer novamente, porque já me tornei outra pessoa. Acredito muito no processo psicanalítico de reconhecer nossas várias versões, nos despedindo de algumas enquanto abrimos espaços para receber as próximas, uma vez que, tudo é a presença da congruência da contrariedade, ou seja, o real é sempre aquilo que está se movimentando e se alterando. A personagem Lu me fascina em sua imprevisibilidade, porque ela foi uma das poucas personagens que vivi que eu realmente só descobria/definia o caminho na hora em que estava vivenciando a cena. Era conscientemente uma escolha, como se em cada cena ela tivesse uma versão de si no comando, o que acredito que me deixou muito mais atenta, feroz e instintiva na troca cênica. Estou ansiosa para assistir, já que ainda não pude ver o primeiro corte do filme. Lembro como se fosse ontem Jabor me guiando em sua pesquisa “A Lu é uma brasileira que quer existir para além da sua fantasia.” Esse enredo continua pulsando forte por aqui, assim como suas palavras e personagens“
O teatro te moldou desde muito nova. Como essas raízes te influenciam no audiovisual hoje? Existe algo que você traz dos palcos para suas atuações em frente às câmeras?
“Absolutamente tudo. Eu tento preservar aquela Bella de 7 anos que, quando pisou no teatro pela primeira vez, com os olhos ávidos, compreendeu que era ali seu propósito. Os caminhos internos na composição de uma personagem, para mim, são os mesmos, independente do veículo, mas, as tábuas de madeira realmente têm sua magia incomparável. No teatro não existe chance de parar, cortar a cena e recomeçar, existe uma plateia inteira imersa na história, navegando com você. Eu trouxe comigo esse gosto particular pelo improviso do teatro, onde ao vivo tudo acontece e precisamos resolver. Também trago forte a lembrança do poder do silêncio preenchido de dizeres, na frente de tanta gente. Recentemente, retornei aos estudos depois de anos com a faculdade trancada para pegar meu diploma, e voltei aos palcos depois de 11 anos de TV e Cinema, a sensação foi como voltar para casa. Essa troca imediata com a plateia, o jogar junto, compartilhar o pacto de habitar um determinado universo fantasioso ali juntos, durante 1-2h, não existe sensação igual. Acredito que no audiovisual eu tento equilibrar as ferramentas entre o que pode e deve ser minucioso e o que precisa ser mais expansivo e deflagrado. Essa diferença estética deve ficar evidente nos meus trabalhos no cinema, com a composição da Lu, em “Meu Último Desejo”, um filme neo-realista, e da personagem “Virgínia” de “Meu Casulo de Drywall”, praticamente extra-naturalista, onde em um curto período de diferença de filmagem, tentei explorar registros praticamente opostos“
“Sonhos D’Água” foi um projeto onde você também foi roteirista e produtora. Como foi equilibrar essas diferentes funções, e como você enxerga a evolução da sua voz criativa nesses papéis múltiplos?
“O projeto já ganhou uma atualização de título para “Matrioska” o que reforça, realmente, meu interesse nessas múltiplas camadas e personas dentro de uma só. Já vivi muitas Bellas e estou pronta para testemunhar as novas que chegam (risos). Esse projeto nasceu na pandemia, depois de ter trabalhado com muitas imagens surrealistas no filme “Meu Casulo De Drywall”, ao compor a sensibilidade de “Virgínia”. É um mergulho na investigação do inconsciente, do que é real, fantasia, criação, projeção ou memória, onde acompanhamos a rotina de “Ella”, que tem esse nome justamente por ser todo mundo e ninguém ao mesmo tempo. Essas imagens surrealistas ficaram aguçadas na minha mente e resolvi juntar uma poesia narrativa, que virou um diálogo e quando me dei conta tinha uma equipe dentro do set, contando essa história. Foi uma experiência muito engrandecedora e desafiadora ao mesmo tempo. Acredito cada vez mais (ainda mais agora na era da revolução digital que vivemos) que uma atriz não tem mais tempo de esperar para ser chamada para um trabalho, temos que nos reunir, fortalecer, produzir e escrever sobre assuntos que nos são caros. Minha atriz se beneficia do meu lado que gosta de escrever e vice-versa, é uma retroalimentação criativa (risos). Ainda tenho vontade de falar sobre muita coisa aqui dentro e outros projetos já embrionários que vão nascendo. “Matrioska” está finalmente em fase de pós-produção e espero que muito em breve vocês possam conhecer essa história“
Trabalhar com gigantes como Fernanda Montenegro e Mauro Mendonça Filho deve ter sido uma experiência transformadora. Qual foi o maior aprendizado que você leva dessas parcerias?
“Nunca vou me esquecer dos olhos da Fernanda dentro de cena e nas cenas em que tivemos juntas, são os olhos mais preenchidos de imagem que eu já vi. Era como assistir a história da TV e do cinema brasileiro ao vivo. Durante nossa troca, nas aulas do workshop que todos participamos da novela “O outro lado do paraíso”, ela era a mais interessada em fazer perguntas, observar, trocar, pensar junto e experimentar novos caminhos. Isso já responde tudo e indica o caminho de sempre recomeçar, se dedicar e pesquisar diariamente, nunca repetir uma cena duas vezes e não ter outra opção, senão entrar em cena. Me lembro também como se fosse ontem meu primeiro contato com o Mauro Mendonça Filho, depois de ser aprovada para “Verdades Secretas”. Aprendi muito com sua sensibilidade, olhar clínico, sinceridade e principalmente como construir camadas de uma personagem. Foi com ele que aprendi que a única coisa que deixa uma personagem crível, humana, possível, são suas contradições. Me sinto profundamente privilegiada por meu caminho ter cruzado com o deles e de ter tido a possibilidade de aprender de perto um pouco como ser de verdade, dentro e fora de cena“
No seu trabalho, vemos personagens que lidam com questões muito profundas. Como você cuida da sua saúde mental ao interpretar papéis que mexem tanto com o emocional?
“Terapia. Não vou romantizar e discorrer aqui sobre como é fácil o processo, porque estaria mentindo. Hoje em dia, saúde mental é artigo de luxo, e é justamente por isso que tantas produções e personagens permeiam essas narrativas, com intuito de servir como catalisador para transformar histórias na vida real, para impulsionar as pessoas a buscarem formas de se cuidar. Na minha opinião não existe outro caminho senão mergulhar para dentro de sí, para o autoconhecimento. Já dizia o fundador da psicologia analítica, Carl Jung, “Quem olha para fora sonha, mas quem olha para dentro acorda”. Sempre fui uma apaixonada por pessoas, histórias, personagens e transformações mas, nunca foi um objetivo consciente interpretar personagens com tantas funções sociais, porém elas me encontraram (risos), e eu compreendi a grandiosidade do poder da comunicação. O tanto que uma história bem contada pode mudar o rumo na realidade, como foi o caso da Laura, de “O outro lado do Paraíso” que triplicou o número de denúncias de abusos sexuais no país. Assim como Raquel de Aruanas 2, ao falar sobre poluição do ar, e Virgínia de “Meu Casulo de Drywall” quando toca no tabu sobre depressão e suicídio. Como eu me cuido dentro desses processos? Eu acredito muito na simbiose da arte evocar caminhos curativos para a gente atravessar. Nada é por acaso. Eu falo, me fortaleço e aprendo através delas. Protesto, me curo e me liberto junto com elas. Alinhado à ficção, na vida real, é de extrema importância um contato direto com a terapia, que eu faço recorrentemente, uma rede de apoio de amizades que te lembram quem você é, se alimentar de livros e filmes maravilhosos, bons encontros, conversas e também, o esporte. A escalada mudou a minha relação com a liberação química de endorfina e oxitocina e, consequentemente, minha relação com minha saúde mental“
SXSW com “Meu Casulo de Drywall” é uma conquista enorme. Como você vê o impacto internacional desse filme e o que você espera que o público fora do Brasil capte dessa obra?
“Foi um divisor de águas participar de um festival tão plural como o SXSW, sendo o único filme representante brasileiro. Testemunhar este momento histórico em que vivemos do cinema brasileiro mesmo com toda sua batalha para resistir, ganhando o mundo, como podemos ver agora acontecendo em “Ainda Estou Aqui” de Walter Salles, é revolucionário. Nossas histórias e cultura merecem cada vez mais espaço e narrativas. Quando estive no festival, entrei em contato com obras das mais variadas culturas e muito interessantes. “Meu Casulo de Drywall” foi muito bem recebido pela plateia americana e teve forte impacto em quem estava participando das rodas de debate, tanto para o público adolescente quanto para os pais que lidam com essa fase tão desafiadora que é a adolescência. É sempre urgente falarmos sobre saúde mental, dentro de uma sociedade adoecida em muitas camadas diferentes. É fundamental mostrar para as pessoas que o processo nunca é linear, e que atravessar períodos desgostosos e difíceis de lidar faz parte do crescimento pessoal da vida, assim como parte do amadurecimento da metáfora da borboleta, que para ganhar asas precisa antes passar pelo processo turbulento e doloroso de descamar sua pele e se transformar inteira, deixando para trás um lugar onde não cabe mais. Viver é desafiador, e por isso a arte como ferramenta de comunicação torna-se tão importante“
E como está sua preparação para próximo trabalho na TV. Você está no elenco da próxima novela das seis, na TV Globo, como estão suas expectativas?
“Estou muito feliz com a oportunidade de voltar à TV para mostrar meu amadurecimento cênico, como atriz e como mulher, voltando a trabalhar com Natália Grimberg, diretora amada que trabalhei em “Verdades Secretas” e agora com o texto brilhante de Alessandra Poggi. Foram anos me dedicando ao cinema e séries, voltar agora com uma personagem totalmente diferente de tudo o que já fiz, podendo mostrar novas camadas e registros de atuação, vai ser muito gostoso. É como se a gente pudesse voltar naquele gancho inicial da conversa e dizer que, mais uma versão será desbloqueada! Afinal, nada é estático nesse mundo, tudo pode mudar a qualquer momento (Risos). Estou empolgada com isso! Como só entro mais à frente na trama, ando no momento, mergulhada nas minhas referências e no francês. Mais do que isso acho que vai ser spoiler. Merci et à plus tard, bisous!“