Há algo de desconfortável, quase imprudente, na ideia de tentar sobrepor um horror sobrenatural a um dos períodos mais sombrios da história argentina. “1978” parte de uma premissa instigante, mas rapidamente se perde ao tentar equilibrar o terror da ditadura com um mal inventado. O filme quer dizer muito, mas parece não saber o que realmente quer enfrentar. O resultado é um produto narrativamente partido, onde nada se completa e tudo parece ruir antes de ganhar forma.
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A ambientação é poderosa. O peso político do ano em questão não é só histórico, ele é atmosférico. Estamos falando de um país mergulhado em repressão, vigilância e violência institucional. Só isso já seria suficiente para alimentar um filme inteiro de horror. Mas “1978” não confia na força desse trauma real. Em vez de aprofundar esse medo concreto, a narrativa opta por inserir um componente sobrenatural que dilui, desloca e, pior, banaliza o peso simbólico do que realmente aconteceu naquele período.
O problema central não está na presença do fantástico em si. O cinema tem longa tradição em usar o horror como metáfora. Mas aqui, as camadas não se fundem. Elas colidem. O filme constrói duas ameaças paralelas, mas não consegue fazer com que uma alimente ou potencialize a outra. O que se vê são blocos narrativos que não dialogam, como se a repressão estatal e o terror demoníaco pertencessem a universos distintos, incapazes de coexistir dramaticamente.
Fica evidente que o roteiro deseja costurar crítica social com entretenimento de gênero, mas a operação estética falha. O terror sobrenatural soa genérico e deslocado diante de um terror histórico que é visceral, vivo, impossível de ignorar. A ditadura não é só pano de fundo, ela é protagonista da dor. E colocá-la em segundo plano para dar lugar a uma ameaça espiritual qualquer soa quase ofensivo. A escolha narrativa acaba funcionando como uma espécie de anestesia involuntária, esvaziando a força do próprio argumento central.
Mesmo os méritos técnicos, como os efeitos bem executados e a construção de tensão em alguns momentos, parecem fragmentados. Há cenas que funcionam isoladamente, mas não existe unidade temática ou emocional que sustente o filme como um todo. É uma obra que, apesar da boa vontade estética, nasce dividida e morre indiferente.
O que poderia ser uma crítica feroz à violência de Estado, ou um estudo psicológico sobre o medo como ferramenta de controle, se transforma em um exercício de estilo que não tem coragem de escolher entre a alegoria e a denúncia. E ao tentar fazer as duas coisas ao mesmo tempo, não consegue fazer nenhuma com profundidade.
Talvez o erro mais grave de “1978” seja acreditar que existe algo mais assustador do que os próprios militares da Argentina em plena Copa do Mundo. Quando o filme decide trazer à cena criaturas infernais, rituais ocultos e entidades diabólicas, o impacto simplesmente evapora. Porque nada, absolutamente nada, compete em horror com o que a realidade já nos mostrou.
O cinema de gênero pode ser uma ferramenta poderosa para reimaginar traumas e traduzir dores coletivas. Mas isso exige uma responsabilidade que o filme não parece disposto a assumir. “1978” caminha por um terreno sensível sem saber onde pisa, e acaba tropeçando nas próprias ambições. Não é um filme covarde, mas é um filme confuso. Não é desrespeitoso por intenção, mas por imprudência narrativa. E no fim, deixa a sensação amarga de uma grande oportunidade perdida.
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