Ambientado em um futuro não muito distante e mergulhado em uma distopia climática, “A Avaliação” propõe uma crítica direta ao controle institucionalizado da vida privada sob a justificativa da escassez e da otimização social. No universo criado pelos roteiristas e pela direção de forma deliberadamente opressiva, o ato de ter um filho deixou de ser uma escolha íntima e passou a depender de um rigoroso teste aplicado por um sistema burocrático impessoal. Esse pano de fundo serve como base para um drama psicológico que se revela cada vez mais desconfortável, teatral e simbólico.
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Elizabeth Olsen e Himesh Patel interpretam um casal que, após ser selecionado para a fase final do processo, passa sete dias sob observação de Virginia, uma avaliadora interpretada com precisão clínica por Alicia Vikander. A personagem de Vikander funciona como eixo moral e emocional do filme: uma figura inumana que parece operar sem sentimentos, mas que, lentamente, revela um controle sádico e manipulador. O enredo gira menos em torno de respostas e mais em torno de provocações. O teste, na verdade, é uma ferramenta narrativa para tensionar os personagens até o limite de suas convicções, afetos e noções de liberdade.
A condução estética do filme é marcada por um jogo de contrastes. A paleta de cores é artificial, saturada, por vezes até absurda, o que contrasta com o tom seco e frio dos diálogos. Esse contraste revela um projeto visual que abraça o desconforto como linguagem. O design de produção remete tanto ao minimalismo distópico quanto ao barroco kitsch, criando uma ambientação que parece suspensa no tempo. A câmera explora a encenação com planos simétricos e estáticos, evocando referências claras ao cinema de Yorgos Lanthimos, sem ser sua mera cópia.
A narrativa, dividida de forma episódica ao longo dos dias da avaliação, adota uma estrutura que recusa o convencional. Não há progressão clássica, mas sim acúmulo de tensão. A história se constrói a partir de testes psicológicos e interações imprevisíveis entre os personagens. O roteiro propõe um debate sobre responsabilidade, autonomia, desejo e imposição social. Cada exercício proposto por Virginia aprofunda as rachaduras emocionais do casal, expondo a fragilidade do vínculo diante de um sistema que os transforma em sujeitos analisáveis, desmontáveis, reprogramáveis.
A força do filme reside na atuação de seu trio principal, com destaque absoluto para Alicia Vikander. Sua composição é meticulosamente controlada, ora robótica, ora quase messiânica, e culmina em um confronto final com Elizabeth Olsen que sintetiza toda a complexidade emocional acumulada. É uma cena silenciosa, com gestos mínimos e olhos carregados de significado, que eleva o filme a um novo patamar dramático. Olsen, por sua vez, entrega uma performance contida, que contrasta com o colapso crescente de sua personagem.
“A Avaliação” não é um filme fácil. Seu tom alegórico, sua encenação artificial e sua recusa ao conforto narrativo fazem dele uma experiência que exige entrega total. O final é ambíguo, moralmente provocador, abrindo espaço para múltiplas interpretações: entre a verdade devastadora e a ilusão reconfortante, o filme coloca o espectador diante de uma escolha impossível, assim como faz com seus personagens.
Apesar do ritmo desigual e de alguns momentos que flertam com o grotesco ou o exageradamente teatral, o filme mantém sua coerência temática. A duração é bem administrada e a montagem respeita os silêncios e os intervalos, criando uma cadência que reforça o desconforto como experiência sensorial. Há um estranhamento proposital em quase todas as cenas, o que pode afastar o público em busca de respostas claras, mas recompensará aqueles interessados em uma experiência filosófica e estética.
“A Avaliação” é um estudo sobre o controle, o amor sob vigilância e o colapso da intimidade diante da tecnocracia. Funciona como sátira e como advertência, mas, acima de tudo, como um retrato cruel da nossa crescente disposição de terceirizar decisões fundamentais da vida em troca de uma segurança ilusória.
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