O suspense psicológico tem insistido em revisitar casas perfeitas demais, rotinas organizadas demais e personagens que performam estabilidade como quem ensaia um papel social. Em “A Empregada” essa encenação vira matéria-prima. O que se apresenta como oportunidade de recomeço logo se revela um sistema fechado, onde hierarquias emocionais, econômicas e morais funcionam como grades invisíveis. O verdadeiro cárcere não é o quarto trancado, mas a lógica que mantém todos ali fingindo normalidade.

A narrativa acompanha Millie Calloway (Sydney Sweeney), jovem atravessada por um passado que o roteiro jamais permite esquecer, mesmo quando tenta silenciar. Sua chegada à mansão dos Winchester estabelece de imediato uma relação de poder assimétrica, construída menos por ordens explícitas e mais por gestos, microviolências e humilhações cotidianas. O trabalho doméstico surge como ritual de submissão. Limpar, repetir, obedecer, aceitar. Cada tarefa funciona como um lembrete de lugar social. A casa vira um organismo que testa limites, mede resistência e recompensa silêncio.
A personagem de Nina Winchester (Amanda Seyfried) opera como eixo de instabilidade permanente. Sua imprevisibilidade nunca busca realismo psicológico clássico, mas sim um estado performático. Há algo de deliberadamente artificial em seus surtos, em suas ordens contraditórias, em sua necessidade constante de controle. O filme entende que certos abusos não precisam de explosão. Eles se alimentam de repetição. Já Andrew Winchester (Brandon Sklenar) se constrói a partir de uma cordialidade perigosa, onde empatia e ameaça caminham juntas. O carisma se torna ferramenta narrativa central. A simpatia aqui funciona como armadilha dramática.
Tecnicamente, a direção opta por um suspense que flerta com o exagero consciente. O primeiro ato assume um tom quase camp, com enquadramentos que destacam a rigidez do espaço e a artificialidade das relações. Essa escolha não surge por descuido. Ela prepara o terreno para um segundo movimento mais silencioso, onde o filme abandona a caricatura e passa a operar na manipulação emocional direta. A transição, porém, cobra seu preço. A montagem inicial é fragmentada demais, criando uma sensação de descontinuidade que enfraquece a imersão. O excesso de narração expositiva denuncia insegurança em confiar plenamente na imagem.
O roteiro, ao optar por explicar em vez de sugerir em alguns momentos-chave, reduz o impacto de cenas que poderiam funcionar apenas pelo olhar ou pelo silêncio. Há escolhas de diálogo que subestimam o espectador, especialmente quando a solidão da personagem pede introspecção visual e recebe verbalização desnecessária. Ainda assim, o ritmo geral se sustenta. O filme entende tempo de espera, sabe quando acelerar e, principalmente, quando deixar a tensão respirar.
O terceiro ato assume sem pudor sua natureza pulp. As reviravoltas não buscam sutileza elegante, mas choque narrativo. Funcionam porque o terreno foi preparado. Mesmo quando previsíveis dentro do manual do thriller doméstico, ganham força pelo envolvimento emocional construído ao longo do percurso. O impacto não está na surpresa em si, mas na confirmação de que ninguém ali estava dizendo a verdade.
Há ecos evidentes de uma tradição recente do gênero, marcada por diários, cartas, versões conflitantes e reconstruções tardias. O filme dialoga com esse repertório sem reinventá-lo, mas encontra identidade ao assumir seu exagero e sua natureza de entretenimento coletivo. Trata-se de um suspense que entende a experiência da sala de cinema, o riso nervoso, o suspiro coletivo, a reação quase física às viradas de roteiro. É cinema de reação, não de contemplação.
Mesmo com limitações visuais e escolhas narrativas discutíveis, a obra se sustenta pela condução de elenco e pela clareza de proposta. Há algo deliberadamente descontrolado em sua forma, como se o filme aceitasse ser bagunçado para refletir o colapso moral que encena. Não busca perfeição. Busca impacto. E encontra.
Ao final, o que permanece não é a engenhosidade do mistério, mas o retrato de relações construídas sobre aparência, silêncio e manipulação. Um lembrete incômodo de que, em certas casas, a maior ameaça veste normalidade.
“A Empregada”
Direção: Paul Feig
Roteiro: Rebecca Sonnenshine
Elenco: Sydney Sweeney, Amanda Seyfried, Brandon Sklenar
Disponível em: Cinemas, a partir de 1 de janeiro de 2026, com sessões antecipadas em 19 de dezembro de 2025
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