Existe um ponto em que o cinema francês parece se sentir mais confortável: aquela interseção entre drama social e afeto cotidiano, onde o tom quase sempre oscila entre o tragicômico e o sentimental. “A Fanfarra”, dos diretores Emmanuel Courcol e Édouard Bergeon, caminha exatamente por esse terreno. Mas o faz com mais honestidade do que afetação, mesmo carregando nas costas uma premissa que, no papel, soa como receita clássica de melodrama.
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O filme parte de uma descoberta clínica, mas seu foco não está na doença, e sim no deslocamento. Um maestro prestigiado, elitizado, acostumado à regência como exercício de controle, precisa encarar o caos. O diagnóstico de leucemia obriga Thibaut a procurar um doador compatível, e a revelação de que foi adotado desmonta qualquer ilusão de origem. O reencontro com um irmão desconhecido, trabalhador de fábrica e trombonista amador, força o personagem a descer da torre de marfim. O contraste social, que poderia cair em estereótipos fáceis, é tratado com uma delicadeza que surpreende.
Não há surpresa na estrutura narrativa, mas há potência na execução. O roteiro aposta na construção do vínculo entre os dois irmãos e escolhe não recorrer ao sensacionalismo, mesmo diante da iminência da morte, do colapso afetivo e do colapso econômico. A fábrica que está para ser fechada, a banda municipal que será desfeita, a cidade que lentamente perde seus símbolos e seu senso de comunidade… tudo isso forma um pano de fundo coerente com o drama familiar e torna a música mais do que trilha: ela é resistência, identidade, último abrigo possível.
A direção acerta ao evitar grandes discursos e ao deixar que os atores respirem dentro de suas fragilidades. Benjamin Lavernhe está excelente como um homem deslocado em sua própria biografia, e Pierre Lottin é ainda mais magnético quando o filme abandona a caricatura do proletário para entregar a ele a chance de expressar ressentimento, afeto, orgulho e melancolia ao mesmo tempo. O humor aparece em pontos estratégicos, mas jamais como alívio cômico banal. Ele surge de contrastes, de situações cotidianas, de frustrações que se acumulam até se tornarem ridículas por si só.
“A Fanfarra” emociona por não tentar comover a qualquer custo. Tudo que poderia ser manipulação barata, aqui se transforma em afeto legítimo. O filme entende que a música carrega uma função simbólica, mas também se recusa a tratá-la como redenção mágica. Não há catarse artificial, há comunhão.
Mesmo que a jornada seja previsível, o que se constrói entre os dois protagonistas sustenta o interesse do começo ao fim. Há imperfeições, claro. Em alguns momentos o filme pisa demais no freio e hesita em radicalizar quando poderia aprofundar o conflito político. Mas talvez isso seja parte de sua estratégia narrativa: olhar para o ordinário com afeto, sem heroísmo, sem manifesto.
“A Fanfarra” não é uma obra que vai reinventar o cinema social francês, mas entrega uma narrativa honesta, emocionalmente precisa e cheia de humanidade. À sua maneira, ressoa como uma composição em tom menor, mas que ecoa de forma sincera. E, no fim, é isso que garante sua força: um filme sobre irmãos que se encontram tarde demais, mas que, mesmo assim, tentam afinar o tempo perdido.
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