“A Procura de Martina” é uma obra que aposta alto: atravessar décadas de trauma político com a lente íntima do Alzheimer. A proposta é ousada porque tenta costurar a desintegração pessoal com a amnésia coletiva de um continente. E a força do filme está justamente no ponto em que essas duas esferas se cruzam. A dor de esquecer não é só biológica. É também histórica, social, enraizada. E a narrativa compreende isso com rigor e precisão.
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A jornada da protagonista não se ancora apenas na busca de um familiar perdido. O que movimenta o filme é a tensão entre lembrar e desaparecer. Há um relógio invisível em cena, e ele não marca apenas a perda progressiva da memória de Martina, mas também o colapso de um passado que insiste em ser varrido. É um filme sobre rastros. E sobre o que sobrevive neles.
Visualmente contido, o filme recusa a grandiosidade dramática e escolhe a contenção como método. É nos gestos interrompidos, nos silêncios estendidos e nos olhares que a narrativa encontra sua potência. Não há explicações fáceis, nem cenas forçadas para emocionar. O filme prefere operar no incômodo, no deslocamento, em uma certa ironia melancólica que sabe exatamente quando cortar o efeito dramático para acentuar o vazio. Isso exige maturidade e controle de linguagem.
Mas nem tudo encontra o mesmo nível de coerência. A estrutura narrativa por vezes oscila entre o comentário político e o tom tragicômico, sem transições seguras. Quando o humor surge, ele não funciona como válvula de escape, mas como ruído. Há uma imprecisão tonal que compromete o que poderia ser uma experiência ainda mais densa. Certas escolhas de direção insistem em um realismo afetado que parece incompatível com o grau de gravidade daquilo que se expõe. E em alguns momentos, o filme se aproxima perigosamente da anedota.
Ainda assim, a performance central é monumental. Mercedes Morán entrega um trabalho calibrado no detalhe, no desgaste físico e no cansaço emocional, sem jamais recorrer ao excesso. Sua presença sustenta o filme, mesmo quando a dramaturgia vacila. É a partir dela que tudo se organiza, mesmo no caos.
“A Procura de Martina” não resolve os conflitos que evoca. Mas também não tenta. O mérito está em provocar a fricção entre a memória individual e a memória histórica sem tentar pacificá-las. O que se encontra é fratura. O que se mostra é ausência. E isso basta.
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