Crítica: “Abraço de Mãe”

Imagine-se no olho do furacão, não só pelas chuvas torrenciais que assolam o Rio de Janeiro de 1996, mas também pelo terror interno que “Abraço de Mãe” te joga, sem piedade, debaixo d’água. Cristian Ponce, em sua direção meticulosa, transforma o que poderia ser apenas mais uma história de resgate dramático em um mergulho vertiginoso no horror cósmico, algo digno de Lovecraft, mas com uma brasilidade que faz o coração bater mais forte. O filme será lançado em 23 de outubro de 2024 na Netflix.

Crítica: “Abraço de Mãe” | Foto: Divulgação

No centro da trama, Marjorie Estiano brilha como Ana, uma bombeira marcada por traumas passados, forçada a voltar ao campo de batalha emocional e físico quando um asilo ameaçado pela chuva precisa ser evacuado. Claro, nada é tão simples. Os moradores do local não são o que parecem, e o ambiente, carregado de uma atmosfera densa e opressiva, torna-se um personagem à parte. A atuação de Estiano é monumental, entregando camadas de complexidade à medida que a personagem enfrenta, literalmente, fantasmas do passado e do presente. A sensação de claustrofobia, intensificada pelos planos apertados e a chuva incessante, transforma o filme em uma experiência sensorial sufocante.

A mistura entre o horror psicológico e o terror cósmico é onde o filme se destaca. Cristian Ponce claramente bebe da fonte de grandes mestres como John Carpenter, e há uma reverência sutil no estilo do filme que agrada aos aficionados por cinema de gênero. O uso de uma casa decadente e de moradores misteriosos confere ao filme aquele ar lovecraftiano, em que o verdadeiro terror não está nas criaturas ou na ação, mas na sensação de que algo muito maior e incompreensível está à espreita. E isso fica nítido na estética do filme: o asilo exala mal-estar, e cada canto, cada corredor escuro, parece pronto para engolir quem ousa entrar.

Claro, o filme não é perfeito. O ato final pode não agradar a todos, com algumas perguntas que parecem flutuar sem respostas. Mas mesmo assim, “Abraço de Mãe” é um dos exemplos mais inventivos de como o terror nacional pode brincar com tropos clássicos, ao mesmo tempo em que mantém uma autenticidade muito própria. O baixo orçamento, longe de ser um obstáculo, é transformado em oportunidade para explorar soluções visuais engenhosas. Algumas cenas são de dar calafrios, e Ponce sabe como construir tensão, mantendo o espectador à beira do assento.

Dentro do panorama do terror nacional, o filme se destaca como uma obra sólida. Marjorie Estiano, mais uma vez, se mostra gigante, carregando o filme nas costas com uma atuação visceral. Há também uma ode ao cinema de Carpenter que não passa despercebida, dando à narrativa um tom nostálgico e ao mesmo tempo moderno. Se o terror cósmico costuma ser subaproveitado no cinema, “Abraço de Mãe” faz um trabalho honesto ao tentar explorar essa vertente, ainda que não seja perfeito. As falhas no roteiro ou as questões não resolvidas acabam sendo minimizadas pelo peso da experiência visual e pela atmosfera carregada de tensão.

No fim, “Abraço de Mãe” entra como uma adição valiosa ao gênero de terror. É um filme corajoso, visualmente impactante, e que não tem medo de se aventurar por caminhos difíceis, mesmo que o último ato pareça escorregar um pouco. A tempestade que desaba sobre o Rio de Janeiro é uma metáfora perfeita para o turbilhão de emoções e traumas que o filme explora. Se há algo certo aqui, é que Cristian Ponce colocou mais uma pedra sólida no alicerce do terror brasileiro.

Avaliação: 4 de 5.
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