O longa de estreia de Christopher Andrews, “Acabe Com Eles”, aposta em um drama rural tenso e sombrio, que conjuga a brutalidade da natureza com o silêncio das emoções reprimidas. Filmado com uma contenção atmosférica que remete imediatamente ao naturalismo de “God’s Own Country” e à intensidade psicológica de “The Banshees of Inisherin“, o filme estabelece um microcosmo violento e emocionalmente devastado, onde a tensão não vem de confrontos diretos, mas daquilo que não é dito, daquilo que se acumula.
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A estrutura dramática gira em torno de Michael (Christopher Abbott), um homem emocionalmente paralisado pela culpa e pela solidão, vivendo à sombra de um pai doente (Colm Meaney) e à margem de uma comunidade em que o isolamento físico espelha o isolamento emocional. O roteiro se desenvolve com contenção verbal e peso simbólico: os diálogos são esparsos, mas carregados. As interações entre personagens funcionam como extensões de seus conflitos internos, sendo a relação entre pai e filho o eixo emocional e psicológico mais carregado do filme. A rigidez entre eles, baseada em silêncios opressivos, demonstra a corrosão de gerações marcadas pela dureza do campo e pela ausência de um vocabulário afetivo.
O principal mérito de Andrews está na forma como insere o espectador nesse ecossistema emocional disfuncional. O uso da violência é simbólico e constante: ela surge nos gestos contidos, nos olhares, nos acidentes e nas ações deliberadas. A sequência em que Michael descobre suas ovelhas brutalmente mutiladas não apenas estabelece o ponto de inflexão da narrativa, como sintetiza visualmente a degradação emocional do personagem. A escolha de não matar os animais, mas apenas deixá-los feridos, sugere um tipo de violência que deseja perpetuar o sofrimento. É um gesto cruel e simbólico o filme não busca só gerar choque, mas comunicar que algo irrecuperável foi rompido. A mutilação das ovelhas funciona como metáfora direta do próprio estado interno de Michael: ferido, prostrado, porém ainda consciente.
A relação entre Michael e a família rival (especialmente o filho Jack) é construída com ambiguidade. O filme evita soluções fáceis, o que amplia sua complexidade dramática. Ainda que o público seja induzido a adotar o ponto de vista de Michael, o roteiro se recusa a definir claramente os antagonismos. Há sempre uma hesitação, uma dúvida sobre quem são os verdadeiros culpados e isso reforça a ideia de que a tragédia está menos nas ações objetivas e mais nos processos emocionais mal resolvidos.
A fotografia é um dos pontos altos. O diretor de fotografia constrói um retrato gélido e contemplativo do campo, onde a beleza natural é recortada por um tom cinzento e invernal. Esse visual não romantiza o ambiente rural, mas o transforma em espaço de desgaste e conflito. Cada tomada amplia a sensação de claustrofobia emocional, ainda que se passe em paisagens abertas. Esse contraste entre o espaço geograficamente amplo e o aprisionamento psicológico é explorado de forma muito competente.
Christopher Abbott, em uma das interpretações mais maduras de sua carreira, incorpora em Michael um homem em erosão silenciosa. Sua performance é de extrema contenção: seu corpo, seus olhos e suas pausas dizem muito mais que qualquer linha de diálogo. Barry Keoghan, por sua vez, entrega mais uma performance magnética e instável, explorando a ambiguidade de um personagem que nunca se revela por completo. O embate entre os dois carrega o filme com um tipo de tensão emocional que se sustenta mesmo quando o ritmo narrativo desacelera.
“Acabe Com Eles” é um estudo sobre a culpa, a raiva, a herança emocional e a impossibilidade de fuga do próprio passado. É um filme sobre homens marcados por perdas que não conseguem ser verbalizadas, que apenas reverberam em gestos de violência e afastamento. O conflito não é apenas entre famílias, mas dentro de cada personagem, entre o desejo de conexão e a inabilidade emocional cravada por gerações de repressão.
Disponível na MUBI, o longa se destaca como uma estreia impressionante de Christopher Andrews e como mais um exemplar potente do drama rural europeu. Trata-se de uma obra seca, crua e rigorosa que rejeita o sentimentalismo fácil e, por isso mesmo, atinge níveis mais profundos de impacto.
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