Alguns filmes parecem surgir motivados por uma obsessão simples: observar o que acontece com um homem criado para matar quando o próprio corpo decide empurrá-lo para outra direção. “Alvo da Máfia” mergulha nesse choque entre instinto e consciência, construindo um William Bang que tenta decifrar a si mesmo enquanto a violência insiste em acompanhá-lo como sombra permanente. A história parte de um ponto que poderia soar previsível, mas ganha vida quando a sobrevivência deixa de ser privilégio e passa a funcionar como desconforto emocional.

William Bang, interpretado por Jack Kesy, opera como uma arma humana refinada. Seus movimentos seguem um código interno que o crime moldou com precisão absoluta. Morgan Cutter, o chefe da organização, mantém esse mecanismo funcionando com frieza meticulosa, e Bang flui dentro dessa engrenagem como peça indispensável. Tudo se desloca quando uma emboscada quase encerra sua trajetória e o coloca diante de um coração transplantado que redefine seu eixo. A partir desse ponto, o filme se organiza em torno de um choque íntimo: Bang começa a sentir impulsos que não reconhece, como se o novo órgão funcionasse também como uma ruptura simbólica.
Ao se aproximar da viúva do doador, o personagem passa a enxergar uma humanidade que parecia inacessível. A narrativa inclina esse encontro para um território de redenção possível, mas nunca ingênua. O filme trabalha essa relação como fricção: Bang tenta equilibrar remorso, responsabilidade e sobrevivência em um ambiente que rejeita qualquer nuance emocional. A trama intensifica esse conflito quando o protagonista vira alvo da mesma organização que sustentava sua existência. O que move o personagem, nesse ponto, é menos a fuga e mais a tentativa de reorganizar a própria identidade antes que o passado o engula completamente.
A direção de Wych Kaosayananda se compromete com um ritmo elétrico, carregado de ação coreografada com atenção visual. Explosões, perseguições, confrontos exagerados e personagens secundários quase cartunescos convivem com uma estética que abraça o absurdo como linguagem. Esse exagero não mina o filme, porque ele não pretende ser contido; pretende ser direto. A obra se assume como entretenimento ruidoso, consciente do próprio excesso, mas também interessada em explorar a fragilidade inesperada de um matador que perdeu o equilíbrio interno.
A construção dramática nunca abandona o lado barulhento, porém oferece momentos honestos quando Bang tenta compreender o que mudou dentro dele. A viúva e o bebê funcionam como lembretes de um possível caminho de reconstrução, mesmo que a lógica da narrativa insista em sabotar qualquer espaço de leveza. Jack Kesy sustenta essa tensão com um desempenho contido, enquanto Peter Weller transforma Morgan Cutter em uma caricatura poderosa de chefes mafiosos contemporâneos. A combinação funciona porque o filme nunca promete sutileza; promete intensidade. E entrega.
No conjunto, “Alvo da Máfia” se consolida como um thriller que utiliza o caos como motor narrativo, aposta em um protagonista que tenta recompor as próprias bordas e se diverte com a lógica exagerada que abraça. A obra conversa com o espectador que busca ação desenfreada, mas oferece camadas suficientes para quem gosta de decifrar o que sustenta personagens que enxergam sua brutalidade como problema e oportunidade ao mesmo tempo.
“Alvo da Máfia”
Direção: Wych Kaosayananda
Roteiro: Peter M. Lenkov, Ken Solarz
Elenco: Jack Kesy, Peter Weller, Kane Kosugi
Disponível em: Netflix
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