Há obras que parecem nascer condenadas a viver entre dois mundos: longe da grandiosidade de um longa-metragem, mas sem a fôlego narrativo de uma série completa. É exatamente esse limbo em que “As Maldições” se instala. A minissérie argentina de três episódios, inspirada no romance de Claudia Piñeiro, tenta costurar política, drama familiar e suspense criminal, mas se perde em sua própria estrutura, entregando uma experiência que mais sugere do que constrói.
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A trama acompanha o sequestro da filha do governador Fernando Rovira, interpretado por Leonardo Sbaraglia, em meio a uma votação decisiva sobre a exploração de lítio. A tensão entre o dever público e o drama íntimo é o motor da narrativa, mas logo fica claro que a engrenagem não gira com a força necessária. Com apenas três episódios curtos, a minissérie não encontra espaço para desenvolver personagens, expandir conflitos e mergulhar nos dilemas políticos e humanos que levanta.
Daniel Burman e Martín Hodara apostam em temas relevantes. A discussão sobre a exploração predatória de recursos naturais e a insensibilidade política diante das mudanças climáticas está no centro da história, refletindo um debate atual e urgente. Além disso, “As Maldições” sugere questionamentos sobre poder, lealdade, família e o preço de se enxergar pessoas como peças descartáveis de um tabuleiro político. As ideias estão lá, mas a execução parece truncada, superficial e, em muitos momentos, apressada.
A narrativa recorre a escolhas criativas discutíveis: flashbacks estendidos de situações banais, enquanto pontos centrais como conflitos familiares, traumas do passado e intrigas de poder aparecem apenas de forma vaga. O resultado é um paradoxo desconfortável. Ao mesmo tempo em que possui tempo suficiente para aprofundar seus personagens, a minissérie o desperdiça em passagens pouco relevantes, transformando uma adaptação promissora em algo irregular e sem impacto.
Visualmente, “As Maldições” também não impressiona. Há alguns planos abertos que capturam a aridez e a tensão do norte argentino com competência, mas a fotografia e a montagem no geral entregam pouco. O mesmo vale para o elenco: enquanto Leonardo Sbaraglia sustenta bem a carga dramática, Gustavo Bassani passa despercebido e Francesca Varela oscila. Quem realmente domina a tela é Alejandra Flechner, que em poucas aparições injeta peso, ambiguidade e presença, deixando claro que a série teria sido muito mais instigante se tivesse se apoiado em sua perspectiva.
No fim, “As Maldições” é um projeto que tenta dialogar com questões sociais, políticas e humanas urgentes, mas acaba refém de sua própria indecisão. Nem filme, nem série: um híbrido que não encontra identidade. O potencial literário de Piñeiro se dilui em um formato enxuto e pouco eficaz, que reduz uma trama densa a um esqueleto de boas intenções.
“As Maldições”
Direção: Daniel Burman
Elenco: Leonardo Sbaraglia, Gustavo Bassani, Alejandra Flechner
Disponível em: Netflix
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