Existe algo desconcertante quando uma série policial começa com a promessa de renovação, mas entrega exatamente aquilo que jurou ultrapassar. “Ballard: crimes sem resposta” chega com o discurso de dar protagonismo a uma nova personagem, renovar a franquia e sair da sombra de “Bosch”, mas tropeça nos próprios cadarços antes mesmo de engatar o primeiro episódio. O que se vê é uma sucessão de decisões estéticas e narrativas que parecem saídas de um manual genérico de séries procedurais, com direito a câmera tremida na hora errada, diálogos expositivos e uma montagem que desafia a lógica da continuidade.
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A estrutura da produção já nasce capenga. Começar a história no meio de uma perseguição sem contextualização não gera tensão, só confusão. A pressa em parecer ágil compromete a clareza. Há um senso constante de que perdemos alguma coisa, como se a temporada tivesse começado no episódio dois. Esse tipo de escolha, quando bem executada, pode criar envolvimento imediato. Mas aqui parece só preguiça de apresentar o universo da série com calma e precisão.
Maggie Q é competente, carrega bem a personagem, mas sua performance é soterrada por um texto pobre, que repete fórmulas desgastadas e não dá espaço para o frescor que a personagem merecia. O problema não está nela, mas no ambiente engessado em que foi colocada. A série insiste em mostrar Renee Ballard como a herdeira espiritual de Harry Bosch, mas a cada vez que Bosch reaparece, a narrativa parece gritar que confia mais nele do que na própria protagonista. A tentativa de emular uma passagem de bastão se transforma em uma espécie de coleira criativa. E tudo isso mina qualquer tentativa de “Ballard” ser realmente autônoma.
A ambientação e a direção sofrem do mesmo mal. A estética é limpa, sem alma, com enquadramentos funcionais e cenas que parecem feitas para cumprir tabela. A câmera nunca se arrisca. Os cortes são frios. Não há qualquer senso de identidade visual que diferencie essa produção de outras dezenas de dramas policiais lançados nas últimas décadas. Em termos de linguagem audiovisual, “Ballard” escolhe sempre o caminho mais seguro. E o mais esquecível.
Os coadjuvantes até tentam compensar essa frieza, mas também se veem presos em papéis previsíveis, com arcos pouco desenvolvidos e aparições pontuais que mais servem para movimentar a trama do que para gerar qualquer envolvimento real com o público. É tudo funcional, sem frescor, como se a sala dos roteiristas estivesse mais preocupada em alinhar timelines do que em construir personagens.
A investigação central, que deveria servir como fio condutor da temporada, oscila entre o burocrático e o óbvio. Os ganchos de cada episódio surgem mais por obrigação do que por construção dramática. O clímax não surpreende. A série tenta equilibrar conspiração interna, trauma pessoal, corrupção institucional e drama familiar, mas acaba tocando todos esses temas de forma tão rasa que nenhum deles reverbera de verdade.
“Ballard: crimes sem resposta” é o tipo de série que parece feita para preencher catálogo. Não provoca, não instiga, não incomoda e não inova. Fica no meio do caminho entre o fan service e o piloto automático, tentando agradar quem já gostava de “Bosch”, mas sem coragem para deixar Maggie Q e sua personagem brilharem por conta própria. O resultado é um produto morno, que desperdiça uma atriz talentosa, recicla fórmulas cansadas e fica devendo em praticamente todos os quesitos técnicos: da montagem ao ritmo, da direção ao texto, da fotografia à proposta narrativa.
Quem espera algo mais ousado, mais inventivo ou ao menos mais coeso vai se frustrar com a promessa vazia de renovação que a série faz e não cumpre. Para uma personagem que chega com tanto potencial, “Ballard” merecia muito mais do que esse Frankenstein televisivo, montado com peças velhas de um quebra-cabeça já resolvido.
“Ballard: Crimes Sem Resposta”
Criação: Kendall Sherwood
Elenco: Maggie Q, Courtney Taylor, John Carroll Lynch
Disponível em: Prime Video
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