Crítica: Beth Gibbons, “Lives Outgrown”

Crítica: Beth Gibbons, “Lives Outgrown”

Crítica: Beth Gibbons, “Lives Outgrown”

Beth Gibbons abriu as portas de um universo inteiro com “Lives Outgrown”, seu primeiro trabalho solo em mais de vinte anos. Desde o título, já sentimos que essa não é uma coleção de músicas para se ouvir de maneira leve é uma meditação crua sobre vida, morte e as sombras que nos perseguem com o passar do tempo.

Gibbons passou uma década gestando essas músicas, como quem acumula histórias e feridas antes de finalmente despejá-las todas de uma vez. O resultado é uma reflexão visceral sobre o que significa ser humano, sobre envelhecer e perder. Há uma honestidade aqui que dói, como se cada nota fosse arrancada de um lugar tão profundo que nem sabíamos que existia. E talvez seja essa profundidade que faz de “Lives Outgrown” uma obra que não só se escuta, mas se reflete.

Crítica: Beth Gibbons, “Lives Outgrown” | Foto: Reprodução

A atmosfera é densa, quase sufocante. Sons se arrastam e giram ao redor da voz de Gibbons, criando paisagens sonoras que evocam um tipo de melancolia agridoce. Não há nada de pacífico nesses cenários, são florestas envoltas em neblina, quartos escuros com ecos distantes, como se estivéssemos andando por um sonho que está à beira de se tornar pesadelo. Mas, no centro de tudo, está a voz de Gibbons. Uma voz que corta o caos como uma faca afiada, mostrando uma clareza dolorosa em meio ao turbilhão de emoções.

Se em “Out of Season” Gibbons parecia contida, aqui ela se entrega por completo. Cada música é uma cicatriz aberta, expondo as lutas internas que a vida traz com o passar dos anos. O álbum é sombrio, mas não de um jeito banal. Não há tragédia gratuita ou sofrimento forçado. Em vez disso, há uma aceitação quase espiritual de que a vida, com todas as suas dores e belezas, é efêmera. É como se Gibbons estivesse nos mostrando as feridas de sua alma, não para buscar consolo, mas para nos lembrar que, no fim, todos carregamos as nossas.

James Ford e Lee Harris, seus parceiros de produção, contribuem para criar um som que é ao mesmo tempo grandioso e intimista. As texturas de cada faixa são construídas com uma precisão cirúrgica, mas nunca soam frias. Tudo aqui pulsa, vive e morre dentro de cada nota. Gibbons, como sempre, é a força gravitacional que mantém tudo unido. Sua voz é ao mesmo tempo um sussurro e um grito, uma confissão e uma proclamação. Há uma carga emocional em cada sílaba que não se encontra com facilidade em outros artistas.

As letras não escondem nada. Gibbons fala abertamente sobre morte, sobre perder amigos e familiares, sobre a própria mortalidade que se aproxima. O tema da morte não é um artifício aqui é uma presença constante, uma sombra que nunca sai de vista. Mas, em vez de ser opressora, essa sombra dá forma à luz. Gibbons nos faz olhar para a vida através do véu da finitude, e o que vemos do outro lado é assustador e belo ao mesmo tempo.

Floating on a Moment”, “Reaching Out” e “Lost Changes” são janelas para esse universo. Cada faixa carrega em si uma verdade nua e crua, como se fossem fragmentos de uma confissão. Não há alívio fácil ou conforto aqui, apenas a sensação de que estamos testemunhando algo incrivelmente íntimo. E, ao mesmo tempo, há beleza nisso. Não uma beleza óbvia, mas aquela que encontramos nos detalhes mais sombrios, nas rachaduras da alma.

“Lives Outgrown” é um álbum para ser absorvido, para ser sentido na pele, nas entranhas. Gibbons entrega aqui não só música, mas uma experiência quase transcendental, como se ela estivesse nos levando pelas mãos através de suas memórias e medos mais profundos. E, no processo, nos convidando a confrontar os nossos próprios.

Essa é a grandeza de Beth Gibbons: ela nos faz sentir. Nos faz refletir. E, acima de tudo, nos faz lembrar que, mesmo nas sombras mais profundas, há uma beleza que brilha, ainda que seja por um breve momento. “Lives Outgrown” é a trilha sonora dessa jornada uma viagem para dentro da alma que não podemos, nem queremos, esquecer.

Nota final: 89/100

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