Algumas histórias encontram força justamente quando decidem se passar em uma única noite. “Blue Moon” transforma esse recorte temporal em campo de batalha emocional e criativo, capturando o instante exato em que um artista já esgotado percebe que o mundo segue em frente sem pedir permissão. A trama mergulha no coração ferido de Lorenz Hart, um letrista brilhante que assiste ao nascimento de “Oklahoma!” como quem vê uma porta se fechar diante dos próprios olhos.
Noite adentro, o filme abraça o caos íntimo de Hart com uma honestidade que evita glamourizar o sofrimento artístico. Ethan Hawke constrói o personagem como um homem que carrega todas as dores possíveis entre as piadas afiadas e o sorriso que oscila entre charme e rendição. É um retrato de alguém que ajudou a moldar gerações, mas que agora se vê reduzido ao papel de espectador do próprio eclipse.
O bar Sardi funciona como cápsula de pressão, quase como se Richard Linklater transformasse o espaço em um palco cuidadosamente iluminado para revelar cada camada de Hart. Esse microcosmo pulsa com música, com tristeza e com uma melancolia elegante que atravessa cada diálogo. Bobby Cannavale, na pele do barman que observa, escuta e intervém com o distanciamento preciso, forma com Hawke uma dupla que sustenta o coração do filme. Os dois criam uma atmosfera que mistura jazz, confissão e um tipo de franqueza que só aparece quando a madrugada já se instalou.
Linklater repete seu talento de transformar o tempo em protagonista. Cada cena trabalha nuances quase imperceptíveis de som e luz, numa coreografia discreta que exige atenção. Há, inclusive, pequenos gestos simbólicos que funcionam como lembretes silenciosos dos caminhos perigosos que Hart insiste em escolher. A estrutura teatral surge como escolha estética, mas também como comentário sobre o próprio personagem, que vive preso a memórias de glórias que o presente insiste em desmentir.
O filme assume a dor de Hart sem tentar suavizá-la, explorando frustrações que atravessam criação artística, amores não vividos e expectativas que nunca se cumpriram. Essa melancolia não funciona como autopiedade, e sim como diagnóstico de alguém que se tornou especialista em entregar beleza ao mundo inteiro enquanto se esquecia de construir qualquer abrigo para si.
A parceria entre Hawke e Linklater, já madura, chega aqui a um refinamento raro. O ator se move entre vulnerabilidade e rigidez emocional com domínio absoluto, ampliando o impacto de cada fala. Há algo profundamente humano em sua presença, uma espécie de lamento que não pede desculpas por existir. O longa se permite brincar com ironia, mas prefere dedicar energia ao silêncio, às pausas, aos momentos em que o personagem tenta encontrar sentido em memórias que perderam brilho.
“Blue Moon” surge como um retrato sobre desalinho entre legado e realidade, sobre artistas que transformaram a cultura mas que se perderam de si mesmos no processo. É também um aceno à velha Hollywood, ao musical clássico, à força do teatro e à fragilidade de quem viveu para o aplauso sem nunca descobrir como lidar com o próprio reflexo depois que as cortinas se fecham. O filme conduz o espectador com suavidade, até entregar um golpe final delicado e devastador, concentrado na compreensão tardia do que significa realmente ser lembrado.
“Blue Moon”
Direção: Richard Linklater
Roteiro: Robert Kaplow
Elenco: Ethan Hawke, Margaret Qualley, Bobby Cannavale
Disponível em: em breve nos cinemas
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