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Crítica: “Chespirito: Sem Querer Querendo” (1ª temporada)

A primeira temporada de “Chespirito: Sem Querer Querendo” não tenta endeusar um ícone latino-americano. Prefere algo mais corajoso: traz à tona a figura real por trás da máscara cômica, expondo contradições, fraquezas e glórias de Roberto Gómez Bolaños com a mesma naturalidade com que o criador de “Chaves” e “Chapolin” escrevia seus roteiros. A série caminha sobre a tênue linha entre o afeto e o distanciamento crítico. E acerta, justamente, por não tratar Bolaños como mito imaculado, mas como artista complexo, movido por um misto de obsessão criativa e vulnerabilidade emocional.

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Crítica: “Chespirito: Sem Querer Querendo” (1ª temporada)

O projeto, liderado por seu filho, Roberto Gómez Fernández, carrega um peso inegável. Não é só a responsabilidade biográfica que exige precisão e delicadeza. É também o desafio simbólico de reconstruir um imaginário que, para muitos latino-americanos, é quase sagrado. Ainda assim, a série não se esconde em reverência gratuita. O roteiro escolhe mostrar fraturas, atritos pessoais e escolhas questionáveis sem cair em escândalo ou sensacionalismo. Existe ali uma tentativa legítima de entender o homem por trás do gênio, mesmo que isso signifique encarar pontos desconfortáveis.

Narrativamente, a estrutura em saltos temporais oferece respiros e contrapontos interessantes. Não se trata de linearidade cronológica, mas de sobreposições que ressaltam os contrastes entre ascensão e queda, ingenuidade e vaidade, afeto e ego. A montagem consegue manter coesão mesmo diante de idas e vindas, e esse dinamismo evita que o formato biográfico se acomode no didatismo que muitas séries do tipo costumam reproduzir.

A caracterização é um mérito à parte. O elenco não apenas se parece fisicamente com os personagens históricos, como também entrega performances que evitam a caricatura fácil. Há uma contenção que torna o jogo de cena mais respeitoso e eficaz. A produção parece ter compreendido que imitar é pouco. O desafio é habitar aquelas figuras, dar-lhes tridimensionalidade. E nesse aspecto, há um cuidado visível em cada escolha de tom, ritmo e direção de arte.

Visualmente, a série também se destaca. Não há exibicionismo estético. A fotografia e o design de produção trabalham com códigos nostálgicos sem escorregar no pastiche. As referências visuais aos anos 70 e 80 surgem como linguagem, não como muleta emocional. É um recurso que amplia a imersão, principalmente para quem cresceu com os programas do SBT, mas sem apelar para fan service óbvio ou construções sentimentais artificiais.

Talvez o ponto mais interessante esteja na recusa de limpar a imagem do protagonista. Ao invés de projetar um Chespirito idealizado, a série opta por mostrar os conflitos internos, as decisões duvidosas e as consequências que marcaram sua trajetória pessoal. O roteiro não isenta, mas também não condena, deixando ao espectador o exercício de refletir sobre sucesso, vaidade e relações afetivas que ficaram à margem de sua história pública. É nessa zona cinzenta que a narrativa respira autenticidade.

E mesmo nos momentos em que o afeto domina, a série evita cair em melodrama fácil. Ao contrário, essas passagens funcionam como contrapontos emocionais que reforçam a complexidade das escolhas do artista. O peso do silêncio, do abandono, das oportunidades não reparadas, tudo isso é exposto com maturidade e sem sublinhados desnecessários.

“Chespirito: Sem Querer Querendo” surge, então, como uma das raras bioséries latinas que entendem o biografado como personagem imperfeito, e não como produto de marketing póstumo. Não está interessada em idolatria. Está interessada em história. E esse foco faz toda a diferença. Ao invés de nos pedir para aplaudir, a série nos convida a observar, refletir, repensar. E para um legado tão grande quanto o de Chespirito, talvez esse seja o maior respeito que se possa prestar.

Avaliação: 2.5 de 5.

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