Se tem um gênero que continua recebendo combustível sem fim é o do crime real, aquele tipo de história que se alimenta do nosso fascínio por obsessões doentias e vidas despedaçadas. “Cortina de Fumaça”, nova série da Apple TV+, chega carregando o selo de qualidade do roteirista Dennis Lehane e aposta justamente nisso: na curiosidade mórbida do público por crimes que parecem tão improváveis que só poderiam ter saído da cabeça de um roteirista. Mas não, eles aconteceram de verdade, o que só faz a experiência ficar ainda mais incômoda.
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Inspirada no podcast “Firebug” e nos casos reais do incendiário John Leonard Orr, a trama constrói sua tensão ao redor da detetive Michelle, vivida por Jurnee Smollett num desempenho elétrico, quase nervoso, e do investigador de incêndios John Leonard Orr, interpretado por Taron Egerton, que rouba a tela com seu carisma dúbio. Desde o primeiro episódio, fica claro que o jogo vai além de simples pistas queimadas. É sobre o que o fogo deixa para trás, sobre o cheiro de fumaça que se impregna até nos segredos mais íntimos.
O roteiro sabe brincar com as expectativas. Começa lançando faíscas: pequenas pistas, personagens misteriosos, olhares que carregam algo não dito. Depois, quando tudo parece prestes a se apagar, vem a labareda — a reviravolta envolvendo o manuscrito suspeito que basicamente expõe quem está por trás de tudo. É aí que a série acende de verdade e passa a consumir quem assiste, porque não se trata apenas de pegar um criminoso, mas de entender a mente distorcida de alguém que se vê como herói da própria história, mesmo deixando rastros de morte e destruição.
Alguns críticos acharam o caminho até esse ponto lento demais, quase enfumaçado demais. E faz sentido. “Cortina de Fumaça” aposta num clima de ambiguidade que pode frustrar quem espera um procedural mais direto, cheio de interrogatórios e provas irrefutáveis. Aqui o ritmo é outro, mais psicológico, mais doentio. O fogo serve de metáfora para tudo aquilo que consome silenciosamente, das compulsões do incendiário aos fantasmas pessoais da detetive Michelle, que precisa encarar seus próprios traumas para seguir adiante.
Ainda assim, o que mantém a série sempre em alta temperatura são os atores. Egerton e Smollett estão completamente entregues, e cada diálogo tenso entre eles tem uma força que o roteiro às vezes nem merece. Há também algo perverso na forma como “Cortina de Fumaça” transforma a investigação numa dança quase íntima entre caça e caçador, como se, em algum nível, o incendiário precisasse desesperadamente ser descoberto para justificar o caos que criou.
Visualmente, a série também não economiza. Tem aquela paleta sombria e enevoada que virou marca registrada de produções true crime, mas a fotografia encontra momentos belíssimos em meio ao horror. Chamas dançando num terreno baldio ou fumaça invadindo corredores desertos tornam-se imagens quase poéticas, que ajudam a reforçar o peso psicológico de tudo aquilo.
No fim das contas, “Cortina de Fumaça” não é só sobre capturar um monstro. É sobre o prazer perigoso que a gente sente ao espiar monstros assim, sobre o vício em narrativas de dor, sobre como tragédias reais viram combustível para o entretenimento. E talvez por isso a experiência incomode tanto, porque nos obriga a perceber que, de certa forma, a plateia também se alimenta desse fogo.
Cortina de Fumaça (2025)
Criado por Dennis Lehane
Elenco: Taron Egerton, Jurnee Smollett, Rafe Spall
Disponível em: Apple TV+
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