“Dark Nuns” é uma dessas obras que, à primeira vista, parecem repetir uma fórmula esgotada. Só que, ao invés de andar em círculos, ela sabe como tensionar cada elemento já conhecido. O que poderia ser mais um thriller genérico de exorcismo se transforma num estudo denso sobre fé, resistência e transgressão, com um uso muito perspicaz da linguagem simbólica do terror religioso. E quando o filme encontra o seu próprio ritmo, ele atravessa o clichê para investigar algo mais sensorial, cultural e, por que não, político.
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A trama se ancora em um cenário rígido, hierárquico, dominado por dogmas que, em vez de protegerem, engessam. Mas é exatamente nesse lugar que o filme desarma sua estrutura com um gesto de revolta espiritual. O que move as personagens não é a obediência, é o desespero legítimo de quem vê o mal de perto e decide enfrentá-lo mesmo quando tudo ao redor exige silêncio. O terror aqui é menos sobre aparições do que sobre repressões internas, sobre o que foi suprimido em nome da ordem. A possessão vira metáfora para o colapso de um sistema que se recusa a escutar vozes que sempre foram marginalizadas.
Visualmente, o filme é sóbrio, quase austero, e isso amplifica ainda mais o seu impacto. Nada é gratuito. Cada composição de cena parece construída para acentuar esse embate entre fé e dúvida, entre o sagrado e o grotesco. O horror não se sustenta em sustos fáceis ou demônios escancarados. Ele está na lentidão sufocante dos corredores do convento, no peso de uma oração dita sem esperança, no modo como o espaço sacro se contamina lentamente pelo inexplicável. E quando o ritual enfim explode, o que vemos não é um espetáculo: é um rito de passagem atravessado por culpa, sacrifício e um grito de autonomia.
É curioso perceber como o filme insere, sem cerimônia, elementos do xamanismo dentro de uma lógica cristã, revelando não só o sincretismo como também o limite das doutrinas. A mistura de crenças não é enfeite, é uma necessidade narrativa para dar conta de uma realidade que não cabe mais dentro de um único sistema. Essa hibridização é mais do que provocativa: é urgente. O cinema coreano tem apostado nessa fusão como arma estética e simbólica, e aqui, funciona com vigor. O que poderia soar como dissonância se resolve como potência criativa.
Apesar de algumas passagens narrativas que flertam com o absurdo ou que parecem escapar por entre os dedos, há algo genuinamente corajoso no modo como tudo se estrutura. É cinema que arrisca. Que não explica demais. Que confia na atmosfera, nos corpos, nos silêncios. E acima de tudo, que encara o exorcismo não como clímax, mas como consequência. O que está em jogo é mais profundo: é a luta por escuta, por agência, por uma fé que se reconstrói enquanto rompe.
Se o terror precisa evoluir para seguir assustando, “Dark Nuns” prova que ainda há caminhos. Não pela via do grotesco, mas pela densidade da experiência. Pela forma como o sagrado e o profano colidem, deixando marcas que demoram a cicatrizar. É um filme que permanece. Que assombra pelas razões certas. E que desafia o espectador a sair do confortável.
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