Lançado em março de 2020, “Future Nostalgia” marca um ponto de virada definitivo na carreira de Dua Lipa. Em seu segundo álbum de estúdio, a artista britânica-albanesa abandona o pop genérico e hesitante de seu debut e investe em uma abordagem deliberadamente referencial, mas sonoramente coesa e tecnicamente sofisticada, criando um projeto pop que se apropria com clareza da estética retrô para construir um som revigorado e, paradoxalmente, futurista.
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O título do disco já antecipa sua proposta formal: um álbum que opera simultaneamente no terreno da nostalgia e da inovação sonora. Com produção de nomes como Jeff Bhasker, Ian Kirkpatrick, Stuart Price e The Monsters & Strangerz, o trabalho apresenta um mapeamento cuidadoso de gêneros como synthpop, disco, funk e house com camadas de electropop moderno, entregando texturas rítmicas densas, refrões expansivos e uma curadoria de timbres altamente eficaz.
Do ponto de vista técnico, o álbum é um exercício bem-sucedido de design de som pop. A produção é limpa, precisa e cheia de pequenos detalhes que elevam as faixas além da fórmula convencional. O uso de sintetizadores com timbres analógicos, linhas de baixo pulsantes e baterias eletrônicas secas evocam a sonoridade de Prince, INXS e Madonna, mas com uma estrutura harmônica mais compacta e uma mixagem claramente pensada para o ambiente digital de 2020 em diante.
Logo de início, a faixa-título “Future Nostalgia” estabelece um tom autoafirmativo, com um groove desacelerado e letras metalinguísticas que sublinham o controle de Lipa sobre seu lugar no pop. “Don’t Start Now”, primeiro single, é exemplar na construção: a linha de baixo inspirada em Nile Rodgers encontra elementos de house music filtrados por um filtro disco europeu. A estrutura da canção é minimalista, mas ganha vida na combinação entre a performance vocal controlada e os detalhes de produção — filtros, silêncios abruptos e dinâmicas que surpreendem ao longo dos três minutos.
“Physical”, talvez a faixa mais energética do álbum, destaca-se pela sua percussão eletrônica seca e sintetizadores que remetem diretamente ao eurodance dos anos 80, enquanto “Break My Heart” toma emprestado um riff de guitarra do INXS e o transforma em um refrão melódico de alto impacto. Essas escolhas demonstram um profundo domínio de Lipa e seus produtores sobre o repertório do pop dançante, combinando citações estéticas com atualizações rítmicas e de textura sonora.
Há um cuidado notável com variação de densidade instrumental ao longo do disco, que permite que momentos mais etéreos, como “Levitating”, coexistam com faixas mais densas e grooveadas, como “Hallucinate”. A curadoria vocal é outro ponto de destaque: Dua Lipa evita o virtuosismo exagerado e aposta numa entrega firme, direta e carismática. A ausência perceptível de autotune agressivo contribui para uma sensação de presença real da artista, mesmo em meio a um ambiente sonoro altamente digitalizado.
Ainda que o álbum seja fortemente coeso em termos de linguagem estética e sonora, há um desequilíbrio pontual no encerramento. “Boys Will Be Boys”, última faixa da edição padrão, propõe uma guinada temática e tonal que rompe com a energia dominante do disco. Seu conteúdo centrado em crítica social, soa deslocado e menos eficaz, sobretudo por optar por um arranjo mais convencional e uma mensagem excessivamente direta. Embora bem-intencionada, a faixa enfraquece o encerramento de um projeto até então tecnicamente bem calibrado.
“Future Nostalgia” é, acima de tudo, um álbum que entende as exigências formais do pop moderno e responde a elas com inteligência de produção, repertório estético e consistência técnica. É dançante sem ser genérico, nostálgico sem ser retrô-fetichista, e comercial sem sacrificar personalidade. Lipa se posiciona aqui não apenas como uma performer eficiente, mas como uma estrategista pop que domina o timing, os códigos e a estrutura do sucesso.
O disco consolida Dua Lipa como uma das arquitetas mais lúcidas do pop do século XXI. Um álbum tecnicamente refinado, que combina clareza de propósito estético com execução rigorosa e eficaz, traduzindo passado em presente com rara propriedade.
Nota final: 88/100
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