“Duas Covas”, nova minissérie espanhola da Netflix, mergulha fundo no drama de uma cidade marcada pelo luto e pelo silêncio. Ao longo de três episódios, a obra de Agustín Martínez constrói uma narrativa densa, onde cada olhar, cada gesto e cada detalhe do cenário ecoa o peso do trauma coletivo. Mais do que um thriller policial, a série é um estudo sobre dor, vingança e até que ponto uma pessoa é capaz de ir quando perde tudo.
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A trama acompanha Isabel, vivida com intensidade visceral por Kiti Mánver, uma avó que se recusa a aceitar a apatia da polícia após o desaparecimento da neta. A atuação de Mánver é a espinha dorsal de “Duas Covas”, conduzindo o espectador por uma jornada em que a busca por respostas se mistura com uma sede de justiça que flerta com a violência. Isabel não é apenas uma heroína improvável; ela é uma força movida pela perda, capaz de mobilizar uma cidade inteira para enfrentar segredos enterrados sob a superfície.
Ao lado dela está Rafael, interpretado com precisão por Álvaro Morte, um homem marcado pela tragédia da morte da própria filha. A relação tensa entre os dois personagens traz camadas adicionais à narrativa: Isabel, guiada pela dor, encontra em Rafael uma espécie de aliado relutante, alguém que conhece os subterrâneos da cidade e tem recursos que o sistema falhou em usar. Essa parceria, que mistura necessidade e desconfiança, é uma das forças mais interessantes da série.
O roteiro se destaca por sua economia de diálogos e pela intensidade de suas imagens. Martínez aposta em planos fechados, iluminação natural e ambientes reais para criar um senso de proximidade sufocante, que torna a experiência quase claustrofóbica. Frigiliana, com suas ruas estreitas e atmosfera de cidade pequena, não é apenas o pano de fundo da história, mas um personagem vivo, um território onde todos se conhecem, e onde os segredos se escondem atrás de portas entreabertas.
A escolha de transformar a narrativa em uma minissérie de três episódios, em vez de um filme, oferece ritmo cadenciado, que intensifica a tensão a cada capítulo. A série permite que as emoções dos personagens respirem e cria uma expectativa que cresce de forma quase insuportável, ainda que alguns espectadores possam sentir que a trama poderia ser condensada em um longa-metragem. No entanto, essa estrutura seriada amplia o peso da jornada de Isabel, transformando sua busca em um verdadeiro mergulho psicológico.
A ausência de grandes reviravoltas e o foco na construção emocional dos personagens fazem de “Duas Covas” uma obra que foge dos clichês dos thrillers policiais tradicionais. O que vemos não é uma caçada cheia de reviravoltas mirabolantes, mas uma narrativa realista, impregnada de dor e desespero. O impacto da série não está em surpresas, mas na forma como ela expõe as cicatrizes de uma comunidade devastada.
Kiti Mánver entrega uma performance monumental, carregando nos ombros toda a intensidade da obra. Sua Isabel não é uma heroína infalível, mas uma mulher que se reinventa diante da tragédia. O olhar cansado, a rigidez de seus gestos e a explosão contida de sua raiva transformam a personagem em uma figura inesquecível. Álvaro Morte e Hovik Keuchkerian também brilham, com atuações que contribuem para o clima sombrio da série.
“Duas Covas” é uma experiência que exige atenção. É uma obra que não entrega respostas fáceis, mas que convida o espectador a sentir o peso da história. A série é um retrato cru de uma justiça que falha, de famílias despedaçadas e do preço da vingança. Com uma fotografia meticulosa, ritmo controlado e interpretações potentes, ela se firma como uma das produções espanholas mais impactantes da Netflix neste ano.
“Duas Covas”
Direção: Agustín Martínez
Elenco: Kiti Mánver, Álvaro Morte, Hovik Keuchkerian
Disponível em: Netflix
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