Crítica: Filipe Ret, “Nume”

Filipe Ret eleva sua arte a um novo patamar com “Nume”, um trabalho que carrega peso, autenticidade e uma visão artística singular. Encerrando a trilogia iniciada com “Imaterial” e seguida por “Lume”, o álbum é um marco na carreira do rapper, consolidando sua maturidade criativa enquanto resgata a essência que o tornou uma das figuras mais impactantes do rap nacional. “Nume” é uma declaração de princípios, uma busca pela conexão entre o humano e o divino, entre a razão e a emoção, entre o passado e o futuro.

Crítica: Filipe Ret, “Nume” | Foto: Reprodução

O título do álbum, retirado do latim, significa divindade ou poder sagrado. Para Ret, esse conceito vai além do significado literal. “Nume” representa seu núcleo intocável e incorruptível, a essência que o impulsionou a superar batalhas, transcender limites e redefinir o rap no Brasil. Essa essência se manifesta em 15 faixas autorais que transitam por todas as fases de sua carreira. Ret retorna ao básico, evitando colaborações excessivas e mantendo apenas Maru2D como convidado em “Acima de Mim Só Deus”. A escolha não é casual, é um reflexo de sua busca por um trabalho mais puro e centrado.

A construção sonora de “Nume” é um espetáculo à parte. Ret transita entre beats que remetem ao boombap clássico e produções modernas de trap, criando uma paleta sonora rica e diversa. Os arranjos são sofisticados, cada detalhe é pensado para intensificar a narrativa do álbum. Essa atenção à produção eleva o trabalho a um nível técnico que poucos no cenário nacional conseguem alcançar. As faixas carregam uma energia quase cinematográfica, alternando momentos de introspecção com explosões de força bruta. Desde “Da Onde Eu Venho”, que abre o álbum com um soco poético, até “Tua Fé”, que encerra com reflexividade, cada música encontra seu lugar dentro do arco maior que Ret constrói.

Além da força musical, a narrativa lírica de “Nume” é um ponto de destaque. Ret sempre foi reconhecido por seu lirismo afiado, mas aqui ele se supera. Suas rimas transcendem o lugar-comum, explorando temas como autoconhecimento, espiritualidade e a dualidade entre o sagrado e o profano. Ele resgata a filosofia de seus primeiros trabalhos, mas a molda com a maturidade adquirida ao longo dos anos. Há algo profundamente humano em suas palavras, mesmo quando ele se volta ao etéreo.

Crítica: Filipe Ret, “Nume” | Foto: Reprodução

A capa do álbum é uma síntese perfeita do que “Nume” representa. Fotografada por Theo, filho de Ret, de apenas sete anos, a imagem mostra o artista em um momento de pura intimidade, olhando diretamente para a câmera. É uma cena simples, mas carregada de simbolismo, capturando a dualidade entre força e vulnerabilidade que se espalha pelo álbum. Esse gesto de intimidade reforça o caráter pessoal do projeto, conectando arte e vida de maneira indissociável.

Apesar da coesão do álbum, nem todas as faixas alcançam o mesmo impacto. Algumas músicas, embora bem produzidas, não carregam o mesmo peso emocional ou narrativo de outras. Contudo, “Nume” se destaca como um todo, mostrando um Ret que aprendeu a equilibrar suas influências e ambições. É uma obra que sintetiza sua trajetória, mas também projeta novos horizontes para sua arte.

O impacto de “Nume” no rap nacional vai além de suas qualidades técnicas. Ret mostra que é possível criar um trabalho relevante e inovador sem abandonar as raízes que o consagraram. Ele resgata a essência que o levou das batalhas de MCs na Lapa aos palcos internacionais, mas com a visão de alguém que compreendeu sua posição no cenário musical e no mundo. “Nume” não é o fim de um ciclo, mas o início de uma nova era para Filipe Ret. Este é o som de um artista no auge de sua criatividade e com plena consciência de sua relevância. É um dos grandes momentos do rap brasileiro em 2024 e um trabalho que será lembrado por muitos anos.

Nota final: 80/100

Sair da versão mobile