Guillermo del Toro sempre flertou com os monstros, mas aqui ele decide se tornar um deles. “Frankenstein” é sua obra mais visceral, uma reinterpretação grandiosa e dolorosamente íntima do clássico de Mary Shelley. É um filme sobre a criação e o castigo de criar, sobre o poder e o peso de chamar algo de “meu”. Del Toro retoma o mito como quem escava a origem da humanidade, e o resultado é uma tragédia que respira entre o sublime e o grotesco.

Victor Frankenstein, interpretado por Oscar Isaac, surge como um artista enlouquecido pela própria vaidade. Ele cria vida, mas recusa qualquer responsabilidade sobre o que criou. Del Toro transforma o cientista em símbolo do homem moderno, aquele que substituiu Deus por si mesmo e agora carrega o fardo dessa ambição. A criatura, vivida por Jacob Elordi, é o espelho dessa falência. Um ser condenado à imortalidade, incapaz de morrer, e portanto, incapaz de descansar. A cada tentativa de apagar sua própria existência, ele renasce, como se o universo zombasse de sua dor.
Visualmente, “Frankenstein” é um colosso. A fotografia aposta em contrastes que lembram pintura clássica, com sombras úmidas e luzes que parecem chorar. Del Toro orquestra tudo com o lirismo de quem filma a solidão do mundo. A beleza aqui não é um ornamento, mas um instrumento de tortura: o belo também sangra. Há algo de poético no modo como a criatura observa a humanidade, ainda tentando compreendê-la mesmo após ser rejeitada por ela.
O roteiro inverte a lógica do romance original. Agora é o monstro quem narra, quem busca, quem sente. É ele o verdadeiro humano, aquele que ainda ama, que ainda quer entender o gesto de ser deixado para trás. O filme se torna um espelho cruel onde o público é obrigado a se reconhecer como criador e criatura ao mesmo tempo. Somos a soma das nossas negações, e é isso que del Toro entende com uma clareza perturbadora.
Há ecos de Shakespeare, de “Oppenheimer”, de Dostoiévski. Mas há também algo profundamente pessoal aqui, como se o próprio del Toro confessasse sua culpa por amar o que o assusta. O filme abandona o horror tradicional e se torna uma meditação sobre o perdão. A revolução, sugere o diretor, não está em destruir o criador, mas em aceitá-lo. A libertação não vem da vingança, mas da reconciliação.
Em tempos de cinismo e desumanização, “Frankenstein” soa como um grito ancestral: existimos por acidente, mas amar ainda é escolha. E talvez seja esse o gesto mais monstruoso de todos.
“Frankenstein”
Direção: Guillermo del Toro
Roteiro: Guillermo del Toro
Elenco: Oscar Isaac, Jacob Elordi, Mia Goth
Gêneros: Drama, Ficção Científica, Terror
Duração: 2h30min
Disponível nos cinemas a partir de 23 de outubro de 2025.
Fique por dentro das novidades das maiores marcas do mundo! Acesse nosso site Marca Pop e descubra as tendências em primeira mão.














