Existe um tipo de cinema que provoca pela forma como brinca com seus próprios limites, e “Honey, Não!” se encaixa justamente nesse território onde a sátira encontra o caos narrativo e transforma absurdos em combustível para uma experiência que pulsa na contramão do convencional. A trama segue Honey O’Donahue, investigadora particular que circula por uma Califórnia de aparência pacata, mas contaminada por tensões subterrâneas que sugerem violência, desejo e fanatismo religioso. O caso que cruza o caminho da protagonista parece simples, embora carregado de sinais inquietantes, até que uma morte inesperada desarma qualquer noção de controle e empurra o filme para um território onde tudo pode acontecer.

Margaret Qualley conduz essa história com uma energia que combina desorientação e precisão. A personagem observa, provoca, reage e se adapta a um universo que opera com uma lógica própria, frequentemente ilógica, mas sempre cheia de intenção estética. O filme funciona melhor quando assume que seu mundo é movido por impulsos, e não por causalidades tradicionais, criando uma dança entre o noir e a comédia que rompe expectativas a cada movimento. Ethan Coen investe em uma narrativa pulsante que abraça excessos e não teme contradições, mantendo a tradição dos Coen de explorar pequenas cidades americanas como territórios de loucura cotidiana, mas filtrada agora por um olhar mais debochado e assumidamente B.
A presença de Chris Evans como o líder religioso Dean reforça essa dinâmica. O personagem transita entre o carisma manipulador e o grotesco, interpretado com uma consciência de ridículo que funciona dentro do espírito da obra. O filme parece ter prazer em devorar arquétipos masculinos, desmontando-os até sobrar apenas incompetência, violência ou um moralismo tão distorcido que se aproxima do cômico. Há um manifesto silencioso aqui sobre masculinidades frágeis que tentam dominar narrativas, mas a trama insiste em devolvê-las ao lugar de desordem e descontrole.
Aubrey Plaza surge como ponto de tensão e ruptura, sustentando momentos de energia pura, especialmente quando contracena com Qualley. O longa usa essa relação como motor para discutir poder, trauma e identidade, explorando nuances da violência herdada e da autonomia forjada a partir dela. Os dois caminhos que essas mulheres percorrem no clímax da história dizem mais sobre o filme do que qualquer explicação verbal poderia entregar, reforçando uma sensação de que “Honey, Não!” tem mais camadas do que sua superfície caótica pode sugerir.
Tecnicamente, o longa demonstra um fôlego interessante, ainda que irregular. A montagem vive de cortes abruptos que aceleram a narrativa e criam a impressão de que pedaços inteiros da história desapareceram no processo. Esse ritmo provoca estranhamento, mas também reforça a estética pulp que Ethan Coen pretende alcançar. O problema é que nem sempre essa estética se traduz em profundidade, resultando em trechos que parecem sugerir muito, mas concretizar pouco. Ainda assim, existe uma força no modo como o filme abraça seu próprio excesso, especialmente quando flerta com o grotesco e com a despretensão.
A investigação em si não é o motor mais sólido do longa. As pistas surgem com fluidez quase aleatória, e a construção do mistério se mostra mais interessada em atmosfera do que em lógica. O filme parece confortável em ser mais um ritual de estilo do que uma narrativa de resolução. Essa escolha pode incomodar alguns espectadores, mas a obra assume essa postura desde cedo, operando dentro de um jogo no qual o importante não é conduzir à resposta, mas observar o percurso. O propósito do filme está menos na revelação do caso e mais na desconstrução do gênero.
No fim, “Honey, Não!” encontra relevância justamente na maneira como provoca sensações contraditórias. É irregular, desordenado, ousado e provocador. É também engraçado, estiloso, exagerado e consciente de sua própria estética. A obra confirma a força de Margaret Qualley em personagens que pedem presença e ironia, enquanto Aubrey Plaza reforça sua capacidade de ocupar narrativas com intensidade magnética. Chris Evans, por sua vez, entrega um antagonista que diverte e perturba na mesma medida.
Ethan Coen constrói um filme que talvez divida opiniões, mas que oferece personalidade, ritmo e momentos de brilho genuíno. Não busca agradar plenamente. Busca tensionar. E na paisagem atual, onde tantos filmes se equilibram entre fórmulas seguras e neutralidade estética, “Honey, Não!” se destaca por assumir seu caos com orgulho e transformar imperfeições em identidade.
“Honey, Não!”
Direção: Ethan Coen
Roteiro: Ethan Coen e Tricia Cooke
Elenco: Margaret Qualley, Aubrey Plaza, Chris Evans
Disponível em: cinemas
Fique por dentro das novidades das maiores marcas do mundo! Acesse nosso site Marca Pop e descubra as tendências em primeira mão.






