Existe algo fascinante na insistência de Derry em renascer. A cidade funciona como uma engrenagem viva que parece respirar junto com o medo de quem passa por ali. “It: Bem-vindos a Derry” resgata esse organismo pulsante e o projeta para um passado que tenta explicar o inominável. O prelúdio assume o desafio de revisitar o mito antes do mito, como se o terror pudesse ser decifrado ao retornar para suas primeiras rachaduras. A série abre espaço para uma discussão essencial: o mal se torna mais compreensível quando investigado ou se torna ainda mais ameaçador quando descobrimos que ele nunca precisou de explicação?

Ambientada no início dos anos 60, a produção desenha sua atmosfera com precisão estética. A cidade ganha textura própria, com aquela vibração suburbana que sempre esconde mais do que revela. Crianças desaparecem, vozes surgem por ralos que deveriam estar silenciosos, aparições transitam entre a inocência e o pesadelo. O texto mira no trauma coletivo e se apoia na ideia de que Derry jamais foi apenas cenário. É território contaminado, campo de experimentação para aquilo que Stephen King entende como essência da infância: descobertas carregadas de medo. A série tenta replicar esse sentimento, alternando inocência e brutalidade na mesma respiração.
A jornada das crianças funciona como núcleo emocional, ainda que o roteiro divida atenção com outras frentes narrativas. Entre investigações improvisadas, visões perturbadoras e um mundo adulto sempre à beira do colapso, a série aposta na multiplicidade. Isso cria ambição, mas também ruído. O prelúdio constrói fios paralelos que demoram a se conectar, como se cada episódio estivesse testando qual desses caminhos será responsável por sustentar a espinha dorsal da temporada. Esse excesso de direções enfraquece a coesão, porém sustenta a promessa de que o quebra-cabeça ainda pode encaixar.
Há momentos brilhantes na construção do terror visual, especialmente quando a série escolhe sugerir ao invés de mostrar. Pennywise aparece como sombra que atravessa a consciência das crianças, e não apenas como entidade monstruosa. Essa escolha cria impacto, ainda que o ritmo oscile entre cenas envolventes e outras que parecem se alongar para preservar mistérios que poderiam ser mais objetivos. As tramas envolvendo a base militar e o projeto secreto ampliam o escopo narrativo, mas criam a sensação de que estamos diante de múltiplas séries simultâneas disputando atenção. Mesmo assim, a estética funciona. O período histórico ganha força, o design de produção captura a paranoia espacial e o horror transita entre o sobrenatural e o psicológico.
Há ecos de “Stranger Things” na dinâmica dos adolescentes e no modo como a cidade se transforma em labirinto emocional. Mas a série tenta manter sua identidade ao reforçar que, aqui, o medo é estruturado, antigo e profundamente enraizado. Derry é um organismo doente. Pennywise é só o sintoma mais visível. Esse entendimento permite que o prelúdio não se limite a explicar a origem da criatura, mas sim a examinar o ambiente que a alimenta.
Do ponto de vista técnico, a direção entrega imagens poderosas e o trabalho de ambientação fortalece cada camada de tensão. A fotografia explora a escuridão com cuidado e o elenco infantil sustenta o peso emocional com maturidade surpreendente. Ainda assim, a narrativa precisa encontrar urgência, ritmo e foco. Há material suficiente para uma grande série, mas a execução ainda depende de escolhas claras sobre o que realmente deseja contar.
“It: Bem-vindos a Derry” funciona como um mergulho inicial em águas turvas. É ambicioso, inquieto, cheio de possibilidades. Se encontrar sua própria pulsação, pode se tornar uma das abordagens mais interessantes do universo de King no audiovisual. Por enquanto, entrega mistério, estética e alguns arrepios genuínos, enquanto convida o público a explorar novamente o lugar onde o medo nunca dorme.
“It: Bem-vindos a Derry”
Criado por Andy Muschietti, Barbara Muschietti e Jason Fuchs
Elenco: Taylour Paige, Jovan Adepo, James Remar
Disponível em HBO Max
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