Alguns artistas passam a vida acreditando que o brilho do próprio nome basta para manter tudo em torno deles funcionando. O filme “Jay Kelly” parte exatamente desse ponto para tensionar a ideia de sucesso como escudo emocional. A narrativa constrói a figura de um astro envelhecido, cercado por confortos que já não anestesiam nada, enquanto os vínculos que sustentaram sua trajetória começam a revelar rachaduras que sempre estiveram ali, camufladas pelo espetáculo permanente.
A jornada gira em torno de Jay Kelly, interpretado por George Clooney com uma precisão que captura tanto o charme desgastado quanto a vulnerabilidade tardia de alguém que tentou tratar a própria vida como uma sequência bem coreografada. Ao lado dele, Ron, vivido por Adam Sandler, funciona como bússola e espelho. A dinâmica dos dois evidencia o quanto a lealdade deixa de ser afeto puro e passa a operar como dependência, dívida e contrato emocional. Esse ponto dá ao filme um impulso dramático que cresce sem pressa.
Há algo quase litúrgico na forma como Noah Baumbach organiza essa crise tardia. Jay atravessa a Europa como se percorresse um labirinto pessoal no qual cada encontro o obriga a revisitar o preço pago pelo estrelato. O roteiro reposiciona velhos parceiros, antigos desafetos e vínculos mal resolvidos para confrontá-lo com uma pergunta incômoda: o que restou de verdade quando a carreira ocupou todo o espaço? Billy Crudup, por exemplo, surge como uma sombra do que poderia ter sido, encarnando a sensação de que a ascensão de Jay produziu ausências que ninguém quis nomear.
O filme opera como um inventário emocional sobre arrependimentos, legados artificiais e a fragilidade de quem sempre teve o controle da própria narrativa. Baumbach e Emily Mortimer tratam cada personagem como consequência de alguém que viveu orbitando a luz de um astro que não sabia gerar calor. Mesmo assim, há uma camada inesperada de humanidade brotando do caos, como se o filme decidisse conceder ao protagonista uma última chance de olhar para o próprio nome sem o peso da autopromoção.
A estética refinada de Linus Sandgren transforma essa jornada num espetáculo melancólico. A fotografia cria um contraste entre grandiosidade e solidão, reforçando a sensação de que Jay atravessa cenários lindos demais para alguém que já perdeu o direito de apreciá-los plenamente. A trilha de Nicholas Britell, sempre elegante, amplia esse sentimento de ocaso emocional, com composições que tratam cada silêncio como argumento.
É no terço final que tudo se realinha. A narrativa abandona o cinismo que estrutura boa parte da jornada e oferece uma conclusão que atinge o espectador com força discreta. O filme constrói um ponto de virada que não tenta absolver Jay, mas o expõe a uma realidade que ele evitou por décadas. Adam Sandler, aliás, entrega o momento mais emocional do longa, sustentando uma performance que condensa frustração, carinho e exaustão de forma surpreendente. Riley Keough surge como a ferida aberta do enredo, lembrando que os danos colaterais da fama continuam acontecendo mesmo quando os holofotes estão desligados.
“Jay Kelly” funciona como um lembrete incômodo de que nem todo protagonista merece redenção, mas muitos encontram humanidade justamente quando aceitam esse fato. O filme segue uma tradição de dramas meta-hollywoodianos que investigam a corrosão interna da celebridade, sem se preocupar em exibir grandes respostas. O importante é a jornada, mesmo que ela seja tarde demais.
“Jay Kelly”
Direção: Noah Baumbach
Roteiro: Noah Baumbach, Emily Mortimer
Elenco: George Clooney, Adam Sandler, Laura Dern
Disponível em: cinemas
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