Existe algo intrigante em “Kiss Me Once” não pela ousadia ou inovação, mas justamente pelo oposto. Lançado em março de 2014, o décimo segundo álbum de estúdio de Kylie Minogue reflete um momento em que o pop mainstream global já havia abraçado definitivamente o EDM como sua espinha dorsal, e figuras veteranas tentavam reafirmar relevância dentro desse cenário altamente saturado. No caso de Kylie, a transição veio acompanhada de novas alianças estratégicas, especialmente seu contrato com a Roc Nation, sob o comando de Jay-Z, e a entrada de Sia como produtora executiva. O resultado, no entanto, é um álbum que brilha, mas de maneira quase sintética como uma joia de acrílico cuidadosamente polida, mas sem o peso ou a autenticidade de suas obras anteriores.
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A proposta sonora de “Kiss Me Once” não destoa radicalmente do que se esperava de Minogue: dance-pop sofisticado, permeado de sintetizadores, batidas meticulosas e letras que orbitam entre o desejo, o romance e o empoderamento. O problema é que, onde álbuns como “Fever” ou “X” surpreendiam pela coesão e pelos riscos calculados, este soa fragmentado, como um grande mosaico montado por múltiplos produtores tentando capturar relances da ‘fórmula Kylie’ sem um fio condutor forte o suficiente.
Ao longo das 11 faixas, uma constelação de produtores incluindo nomes respeitáveis como Greg Kurstin, MNEK, Bloodshy e Pharrell Williams contribui para um resultado tecnicamente impecável, mas sem coesão estética clara. O impacto disso é evidente: há momentos em que o álbum parece uma playlist de tendências radiofônicas da época, mais do que um corpo unificado de trabalho. Kurstin, por exemplo, entrega faixas como “Feels So Good”, uma peça etérea, quase glacial, que poderia facilmente ter sido destinada a qualquer diva pop do período. Pharrell, por sua vez, oferece “I Was Gonna Cancel”, talvez o ponto mais destoante e genérico do álbum, carregando uma sonoridade simplista e dispensável, que jamais alcança a genialidade que o produtor demonstrava na mesma época com outros artistas.
Já a faixa “Sexercize”, coproduzida por Cutfather e MNEK, é um dos divisores de águas do disco. Sua recepção polarizada é compreensível: minimalista ao extremo, com produção abafada e percussão seca, parece ser uma tentativa de inserir Kylie na estética minimal-futurista popularizada por artistas como Ciara ou mesmo Beyoncé em “Partition”. Ainda assim, é uma faixa que exige certa coragem vocal e interpretativa de Minogue, que lida com letras sexualmente explícitas e uma construção não-linear. Analisando friamente, “Sexercize” é menos um desastre do que um experimento interessante mesmo que distante do carisma brilhante que caracteriza seus melhores momentos.
“Into the Blue”, o single de abertura, carrega um DNA clássico de Kylie: letra motivacional, instrumental grandioso, ganchos melódicos bem posicionados. Funciona como uma entrada positiva, mas previsível. Surpreendentemente, o verdadeiro destaque é a faixa-título “Kiss Me Once”. Coescrita por Sia, ela surge quase escondida no tracklist, oferecendo um momento de maturidade lírica e produção refinada. O midtempo suave e sofisticado funciona como um contraponto à maioria das faixas dançantes do álbum, lembrando o ouvinte da capacidade de Kylie para transmitir intimidade e vulnerabilidade quando a produção não ofusca sua performance.
Entretanto, o álbum sofre por suas escolhas comerciais e estéticas. O dueto com Enrique Iglesias em “Beautiful” parece deslocado e pouco inspirado uma balada genérica que destoa drasticamente do restante do material. E a curta duração (apenas 11 faixas) contribui para uma sensação de vazio estrutural. Fica clara a impressão de que ideias promissoras ficaram pelo caminho ou foram deixadas de lado em prol de colaborações ‘seguras’, priorizando nomes fortes ao invés de uma narrativa sólida.
É importante destacar que “Kiss Me Once” foi lançado sob grandes expectativas. Vinha na esteira da bem-sucedida era Aphrodite, e representava o primeiro projeto completo sob a gestão da Roc Nation. Comercialmente, o disco não atingiu os mesmos patamares dos antecessores, performando de maneira respeitável, mas sem o êxito de longa duração que se esperava. Parte disso deve-se ao momento do pop em 2014: dominado por mudanças rápidas, transições para streaming e um público saturado por fórmulas EDM genéricas.
Em retrospecto, “Kiss Me Once” é um disco que merece reavaliação não por ser uma obra-prima incompreendida, mas por seus méritos técnicos, pelo vigor vocal de Kylie e por alguns lampejos de qualidade em meio à produção dispersa. Contudo, sua maior fragilidade reside na tentativa de ser muitas coisas ao mesmo tempo: sensual, sofisticado, experimental e comercial, sem firmar verdadeiramente nenhum desses territórios.
Se há algo a ser aprendido com “Kiss Me Once”, é que até artistas veteranos e estabelecidos podem se perder ao tentar agradar múltiplas audiências e tendências de mercado. Kylie Minogue nunca foi apenas uma popstar fabricada; sempre demonstrou inteligência estética e senso apurado de identidade musical. Aqui, infelizmente, ela parece sufocada sob o peso de produtores e decisões externas.
O álbum não é um fracasso, mas também não captura o auge criativo de sua carreira. Ele simboliza um ponto de transição, uma fase em que Kylie testava novos caminhos sem necessariamente encontrar um que ressoasse de forma orgânica. Vale a audição, principalmente pelos destaques pontuais mas permanece como um dos capítulos menos coesos de sua discografia.
Nota final: 65/100
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