Miley Cyrus retorna com “Something Beautiful”, um projeto que aspira a ser álbum conceitual, cura sonora e obra visual transcendental. É ambicioso, ruidoso, às vezes iluminado, mas também tropeça em suas próprias pretensões. Miley tenta transformar dor em beleza, trauma em espetáculo e introspecção em catarse pop, mas a execução alterna entre o profundamente sincero e o artificialmente performático.
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Em termos conceituais, “Something Beautiful” se apresenta como uma espécie de ópera pop dividida em três atos. Porém, essa estrutura narrativa se dissolve rapidamente: embora a estética do disco aponte para o emocional e o experiencial, o conteúdo lírico raramente sustenta esse arcabouço. Cyrus fala de cura, mas raramente mergulha em suas feridas. É mais sobre o cenário da dor do que sobre a dor em si.
A abertura com a faixa-título é promissora: começa com uma melodia soul quente, quase retrô, com metais elegantes e um arranjo vocal construído com intenção. Mas logo se vê o choque entre intenção e produção: o refrão explode em distorção rock de modo abrupto, quase forçado, como se a artista quisesse garantir que a faixa parecesse “intensa”. Esse padrão se repete em outros momentos, músicas que se iniciam com um gesto de vulnerabilidade e terminam enfeitadas demais para soar honestas.
A força do disco está nos momentos em que Cyrus se rende ao puro prazer pop, especialmente quando se apoia no hi-NRG, gênero eletrônico queer dos anos 1980 que ela resgata com surpreendente competência. Faixas como “Reborn”, “Every Girl You’ve Ever Loved” e “Fame Star” brilham ao recriar atmosferas de boate europeia com sintetizadores escancaradamente dramáticos e melodias melancólicas em tom maior. Há algo cativante nessa estética que flerta com o brega, mas que permite que Cyrus brilhe vocalmente com o tipo de exagero emocional que sempre dominou bem.
Nesse sentido, a parceria com Brittany Howard em “Fame Star” é um acerto de casting. Howard traz uma energia quase predatória à música, com um vocal que faz parecer que algo de verdade está acontecendo ali. O mesmo vale para Naomi Campbell, que mesmo sem cantar, entrega carisma o suficiente em “More to Lose” para justificar sua participação num álbum que tenta se vender como arte multimídia.
Mas, em outros pontos, “Something Beautiful” desliza no excesso de enfeite. “Give Me Love”, por exemplo, quer ser uma balada introspectiva, mas soa como algo genérico que tocaria nos créditos de um drama romântico produzido por algoritmo. “Easy Lover” tenta reproduzir a sensualidade soturna de “Plastic Hearts”, mas a construção harmônica genérica impede qualquer impacto duradouro.
A performance vocal de Miley, no entanto, é um dos pilares que sustentam o álbum. Sua voz continua rouca, poderosa, dramática, uma presença constante que dá unidade a uma obra que, de outra forma, se desintegraria em fragmentos estéticos. Ainda que a produção nem sempre esteja à altura da narrativa prometida, Cyrus consegue transmitir peso emocional em momentos isolados, sugerindo que, sob toda a maquiagem visual, há uma artista tentando dizer algo verdadeiro.
A principal fragilidade de “Something Beautiful” é sua indecisão entre ser arte pop ou espetáculo de autopromoção. A ideia de “frequências curativas” pode ser encarada como marketing espiritual de boutique, especialmente quando aplicada a um álbum que, apesar de seus flertes com o psicodélico, é profundamente convencional na maioria dos arranjos. A comparação com “The Wall” soa mais como aspiração do que como influência direta. Faltam simbolismo, coesão narrativa e, sobretudo, desconforto real.
O que resta, então, é um álbum bem produzido, vocalmente consistente e visualmente chamativo, mas que jamais entrega tudo o que promete. Ainda assim, há valor em sua tentativa. Cyrus expande sua paleta sonora e reafirma sua versatilidade artística, mesmo quando o conceito se esvai.
Nota: 67/100
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