Há algo de inquietante em como “Plæygirl” busca reformular a identidade de MØ sem consolidar uma direção artística clara. O álbum se apresenta como um gesto de libertação criativa, um esforço deliberado para romper com expectativas e inaugurar uma nova fase. No entanto, esse desejo de reinvenção não resulta em profundidade estética ou maturidade expressiva. Em vez disso, a proposta flutua entre momentos de espontaneidade contida e escolhas estilísticas que soam forçadas, revelando um projeto que, embora bem-intencionado, carece de coesão e densidade artística.
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Tecnicamente, “Plæygirl” é um álbum correto. A produção, assinada por Nick Sylvester e Ronni Vindahl, é funcional, atualizada e estrategicamente voltada para o consumo digital. As texturas eletrônicas e os timbres sintéticos se alinham com o electropop contemporâneo, com arranjos que privilegiam pulsos dançantes, refrãos expansivos e paisagens sonoras limpas. Nada escapa do controle de mixagem, cada camada é meticulosamente inserida para gerar impacto sem estranhamento. Porém, esse rigor técnico pouco serve ao que poderia ser o ponto central do disco: a expressão visceral de uma artista em busca de autenticidade.
A entrega vocal de MØ é, talvez, o aspecto mais emblemático dessa contradição. Ao mesmo tempo em que as letras aludem a uma subjetividade ferida, caótica ou livre, sua interpretação se mostra demasiadamente contida, higienizada por um filtro estético que parece ter eliminado a aspereza que antes definia sua identidade. A voz que, em “No Mythologies to Follow”, soava urgente e fragmentada, agora surge como produto de uma operação que suaviza conflitos internos para acomodá-los em moldes palatáveis. O resultado é um contraste entre discurso e forma que enfraquece a potência emocional do álbum.
Narrativamente, o projeto também carece de uma espinha dorsal clara. O que se apresenta como manifesto de autonomia soa mais como colagem de momentos esparsos, com uma sucessão de faixas que raramente se comunicam entre si. A sensação é de que as ideias centrais foram pulverizadas em exercícios pontuais de estilo, sem um fio condutor que articule as intenções da artista. A ausência de uma narrativa sólida ou de um conceito bem definido deixa a impressão de um álbum que existe mais como tentativa do que como realização.
Ainda assim, há méritos em sua busca por risco. “Plæygirl” é mais barulhento, mais saturado, menos interessado em agradar do que seus dois antecessores. MØ parece testar os limites do formato que a consagrou, tensionando a estrutura do electropop com elementos abrasivos, cortes abruptos e efeitos dissonantes. Esse impulso experimental, embora irregular, oferece momentos de vitalidade que se destacam justamente por interromper o fluxo previsível da produção. Mesmo que esses lampejos não configurem uma reinvenção sólida, sinalizam que ainda há inquietação criativa sob a superfície.
O maior problema de “Plæygirl” não é a ambição, mas a falta de consequência dessa ambição. A tentativa de apresentar uma nova MØ esbarra na indecisão estética e na hesitação emocional. É um trabalho que anuncia ruptura mas recorre a fórmulas, que almeja autenticidade mas se afasta da intensidade interpretativa. Ao final, o que resta é um álbum esteticamente competente, sonoramente atual, mas emocionalmente rarefeito. Uma obra que quer ser libertadora, mas termina acomodada entre a nostalgia do passado e a indecisão sobre o futuro.
“Plæygirl” pode representar um ponto de transição, um laboratório onde MØ testa possibilidades antes de estabelecer uma nova identidade sonora. Como documento dessa travessia, o álbum tem seu valor. Mas como obra isolada, ainda falta força, direção e verdade.
Nota: 50/100
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