O Mother Mother chega às duas décadas de estrada olhando para trás, mas sem se prender ao retrovisor. “Nostalgia” é, ao mesmo tempo, uma provocação, uma busca e uma declaração de princípios. E não, não é um disco que se satisfaz em simplesmente celebrar o passado. Ele desenterra, desmonta e reconstrói memórias como quem manipula velhas fitas VHS em um aparelho defeituoso.
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Existe aqui uma camada de estranhamento permanente. Uma inquietação sonora que reverbera na forma como a banda escolhe transitar entre teatralidade, neurose, humor ácido e melancolia tecnológica. O conceito de memória ganha contornos quase fantasmagóricos, como se o próprio ato de lembrar fosse uma experiência distorcida, ruidosa, desconfortável e profundamente humana.
O Mother Mother sempre flertou com a esquisitice elegante, mas neste álbum ela é elevada à espinha dorsal da obra. É um trabalho que recusa a linearidade, que abraça o caos e transforma o desconforto em estética. Há uma espécie de beleza torta no modo como eles costuram elementos eletrônicos, guitarras sujas, vocais carregados de efeitos e uma pulsação quase frenética que atravessa cada composição.
Não é um álbum que se deixa consumir fácil. Existe aqui uma camada densa, inquieta, desconcertante. O ouvinte é desafiado o tempo todo a sair da zona de conforto, a mergulhar numa atmosfera que oscila entre o lúdico e o perturbador. É como encarar versões distorcidas de si mesmo refletidas num espelho quebrado.
Mesmo quando flerta com acessibilidade, “Nostalgia” mantém uma aura estranha, quase sobrenatural. Nada é exatamente o que parece. As texturas sonoras criam espaços ora sufocantes, ora expansivos, onde sintetizadores choram, batidas tropeçam e vozes se multiplicam como ecos de pensamentos mal resolvidos.
Há, sobretudo, uma entrega emocional brutal. Um senso de urgência que transforma memórias em labirintos sensoriais. É um disco que não busca respostas fáceis. Pelo contrário, esfrega perguntas na cara do ouvinte. Quem você era? Quem você finge ser agora? E o que sobra quando a lembrança não te reconhece mais?
O que o Mother Mother faz aqui é um experimento emocional disfarçado de álbum pop. “Nostalgia” pulsa, explode, colapsa e se reconstrói num ciclo interminável. É brilhante em sua estranheza, desconfortável em sua sinceridade e surpreendentemente acolhedor em sua proposta de que talvez ninguém saiba exatamente quem é.
Se depois de vinte anos a banda ainda soa tão viva, tão inquieta e tão disposta a desconstruir suas próprias fórmulas, não há outra coisa a dizer além de que este é, sim, um dos trabalhos mais provocativos e corajosos de sua discografia. E talvez também seja o mais honesto.
Nota: 70/100
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