Existe algo em “Nos Seus Sonhos” que tenta combinar imaginação infantil com uma reflexão madura sobre a ideia de família, mas essa ambição raramente alcança a força visual ou narrativa que promete. O filme se apresenta como um mergulho em universos oníricos, coloridos, imprevisíveis e libertadores, porém a viagem acaba revelando uma fantasia que se acomoda demais no seguro. A criatividade aparece, mas não se expande, como se o sonho tivesse potencial para ser turbulento, vibrante, imprevisível, e mesmo assim preferisse seguir um roteiro já esperado pelo público.

Stevie e Elliot são apresentados como irmãos que buscam reconectar pai e mãe por meio de uma jornada dentro dos próprios sonhos, motivados por um livro encantado que promete acesso ao Sandman. A premissa possui aquele encanto imediato que filmes infantis costumam ter, especialmente quando lidam com desejos impossíveis, imagens gigantescas e criaturas que desafiam qualquer lógica. A animação, inclusive, opera com um senso visual competente, mas rara vez memorável. Tudo funciona, mas pouco surpreende.
A construção emocional de Stevie revela um desejo de controle que nasce do medo de perder o que restou da ideia de família perfeita. Em paralelo, Elliot assume o papel de caos que expõe rachaduras que já existiam, muito antes dele nascer. Essa dualidade poderia ser uma força narrativa, mas a condução do roteiro prefere explicitar sentimentos em diálogos didáticos, sem confiar no silêncio, na ambiguidade ou na poesia visual para carregar o peso das emoções. A fantasia acaba verbalizando o que poderia deixar o espectador descobrir por conta própria.
O mundo dos sonhos apresentado pela obra tenta soar expansivo, mas se limita a alguns cenários imaginativos que impressionam por segundos antes de revelar sua estrutura formulaica. A girafa de pelúcia que ganha vida, as comidas zumbis, a rainha dos pesadelos: todos esses elementos parecem promissores em conceito, mas raramente ultrapassam a função de obstáculos pontuais. Falta ousadia para transformar o onírico em algo verdadeiramente desconfortável, revelador, provocador. O filme opera dentro de uma moldura segura, com criaturas divertidas e cenários que piscam, mas sem tensionar o imaginário infantil da forma como grandes animações já fizeram.
O pano de fundo familiar, por sua vez, é tratado com cuidado maior. As fraturas emocionais entre os pais, antes músicos unidos pela arte e agora distantes pela rotina, funcionam melhor do que muitas cenas fantasiosas. Cristin Milioti e Simu Liu entregam camadas que sugerem uma vida que ficou para trás, um desgaste que não depende exclusivamente de erros ou culpas. O drama familiar é mais verdadeiro do que a aventura fantasiosa, e isso cria um contraste curioso que o filme tenta, mas não consegue harmonizar plenamente.
Mesmo assim, há momentos de beleza discreta. A cena em que Elliot cavalga sua própria cama enquanto o quarto se transforma em céu aberto sintetiza a inocência e o descontrole dos sonhos infantis. A memória musical que guia Stevie e seus pais também cria faíscas emocionais que lembram que o cinema de animação possui a capacidade de comunicar sentimentos profundos por meio de pequenos gestos. Porém, essas faíscas aparecem de forma isolada, sem gerar uma chama estável.
“Nos Seus Sonhos” entrega um espetáculo doce, energético e acessível, mas sem profundidade consistente. Os temas estão lá, a intenção está lá, a possibilidade de grandeza está lá, só que o filme escolhe um caminho suave demais. A sensação final é a de que a história poderia ser mais ousada, mais sensível, mais inquieta. Um sonho que tenta muito, mas acorda antes de alcançar seu próprio potencial.
“Nos Seus Sonhos”
Direção: Erik Benson, Alex Woo
Elenco: Jolie Hoang-Rappaport, Craig Robinson, Simu Liu
Disponível em: Netflix
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