Há filmes que não precisam de monstros para serem assustadores. “O Homem no Meu Porão” é um desses casos em que o verdadeiro terror está nas heranças invisíveis: culpa, poder e a história que uma casa carrega quando se transforma em espelho da própria sociedade.
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No bairro negro de Sag Harbor, em Nova York, Charles Blakey (Corey Hawkins) vive uma espiral de ruína silenciosa. Desempregado, endividado e emocionalmente paralisado, ele sobrevive dentro de uma casa que já pertenceu a gerações de sua família. O lar, que deveria representar continuidade, torna-se um cárcere emocional e físico, repleto de lembranças que o sufocam. É nesse cenário que surge Anniston Bennet (Willem Dafoe), um homem branco, misterioso e perturbador, que oferece uma quantia absurda para alugar o porão da casa por alguns meses.
A partir desse encontro, o filme da diretora Nadia Latif (adaptado do romance homônimo de Walter Mosley) abandona o conforto do drama e se entrega a um jogo psicológico desconcertante. O que parecia um simples contrato financeiro se revela uma experiência de poder, humilhação e expiação. O porão, espaço de confinamento e ancestralidade, passa a representar um território simbólico onde passado e presente se enfrentam. O subsolo deixa de ser um cômodo e se transforma em metáfora: é o inconsciente da história americana sendo escavado à força.
A direção de Latif acerta no tom visual, criando um ambiente de horror silencioso. A câmera se move devagar pelos cômodos como se observasse uma casa viva, impregnada de memórias e rancores. O início é brilhante nesse sentido: cada ruído, cada sombra sugere que há algo corrompido nas paredes, algo que não se explica, mas que pesa. No entanto, conforme o roteiro avança, a força simbólica da proposta começa a se perder em excesso de ideias. O filme tenta equilibrar discussões filosóficas, tensões raciais, crítica social e drama psicológico, mas sem permitir que nenhuma delas se desenvolva por completo.
Corey Hawkins entrega uma atuação introspectiva e devastada, carregando no olhar o peso de quem carrega séculos de culpa e apagamento. Willem Dafoe, por sua vez, é um espetáculo à parte. Sua presença é magnética e inquietante, como se o personagem personificasse o próprio privilégio o invasor que transforma a dor do outro em laboratório moral. Ainda assim, a narrativa parece fascinada demais por ele. A cada cena, o filme se curva à energia de Dafoe, desviando o foco do personagem principal, e isso desequilibra a experiência.
Há uma ironia cruel no resultado: o homem branco preso no porão se torna mais interessante para a câmera do que o homem negro tentando sobreviver acima dele. Essa inversão, embora possa ser lida como uma crítica ao olhar ocidental, acaba soando acidental, não intencional. O roteiro quer ser enigmático, mas às vezes se perde em sua própria ambição, criando um labirinto de metáforas que parecem competir entre si.
Mesmo assim, há algo poderoso na tentativa. A recusa em transformar o enredo em um terror sobrenatural é um gesto corajoso. O medo em “O Homem no Meu Porão” nasce do real, do histórico, da desigualdade que se infiltra nas relações mais íntimas. É uma história sobre confinamento, sobre o preço da sobrevivência e sobre o peso que a cor da pele ainda impõe quando se trata de poder e dignidade.
“O Homem no Meu Porão” é um estudo sobre o que acontece quando os papéis se invertem, mas as estruturas de dominação continuam de pé. Mesmo confuso em sua execução, o filme provoca. E, talvez, esse seja o seu maior mérito: lembrar que, às vezes, o terror mais profundo não está em fantasmas ou demônios, mas naquilo que a história insiste em esconder no porão.
“O Homem no Meu Porão”
Direção: Nadia Latif
Elenco: Corey Hawkins, Willem Dafoe, Anna Diop, Jonathan Ajayi, Gershwyn Eustache Jnr, Pamela Nomvete
Disponível em: Disney+
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