A cada nova adaptação de crimes reais, surge a velha pergunta que ronda o gênero como uma sombra teimosa: o que vale mais, a busca pela verdade ou o retrato da paranoia que toma forma quando a verdade se esconde? “O Monstro de Florença” tenta caminhar pelos dois lados desse labirinto, mas acaba descobrindo que algumas portas não deveriam ser abertas com tanta pressa.

A série mergulha em um dos casos mais perturbadores da Itália, um rastro de assassinatos duplos que se estende por décadas como uma cicatriz aberta. A investigação real já era cheia de desvios, becos sem saída e suspeitos que pareciam surgir do nada. A adaptação abraça esse caos, mas concentra a narrativa em um recorte específico da apuração, o que limita o peso histórico e enfraquece a sensação de amplitude do caso.
Logo no início, o que realmente prende o espectador é o drama quase íntimo de Stefano, Barbara e o inquilino Salvatore. A tensão se instala devagar, como uma infiltração na parede que você só percebe quando já dominou o quarto. Valentino Mannias traz um desconforto quase físico ao personagem, aquele tipo de presença que invade o ambiente antes mesmo de abrir a boca. Francesca Olia segura a parte emocional da história com firmeza, criando camadas de frustração que refletem não só o personagem, mas a época e as estruturas sociais que a limitam. Esses primeiros episódios mostram o potencial bruto da série, justamente por se apoiar no detalhe humano em vez da frieza do crime.
O problema aparece quando a narrativa tenta se expandir. Os novos suspeitos, as teorias adicionais, as idas e vindas temporais. Tudo isso cria volume, mas não cria força. É como se a série quisesse abraçar o tom investigativo de filmes como “Zodiac”, porém sem a mesma rigidez estrutural que dá forma ao caos. A linha do tempo fragmentada funciona até certo ponto, mas vai se tornando mais um obstáculo do que um método. A história se espalha demais sem aprofundar o suficiente, e parte da tensão inicial se dilui.
Ainda assim, tecnicamente a obra é impressionante. A reconstrução da Itália dos anos 80 tem uma textura própria, como se a luz daquela época tivesse sido capturada de novo. As casas, os carros, a paleta de cores, tudo reforça a sensação de estar observando algo que realmente pertence ao passado. A fotografia trabalha em camadas, usando sombras e ruídos para lembrar o espectador de que a violência ali nunca foi só física, mas também cultural, social e até burocrática.
Há ecos claros de Fincher na forma como a série observa a obsessão, o desgaste emocional dos envolvidos e o peso psicológico de lidar com um crime que se recusa a entregar respostas. Só que essa comparação, inevitável para qualquer obra sobre um caso real de difícil solução, também evidencia onde a série perde fôlego. A intenção de mostrar como o país foi engolido pelo medo é válida, porém falta consistência narrativa para que essa sensação se sustente até o final.
Mesmo com seus desvios, “O Monstro de Florença” guarda valor. Funciona como retrato da paranoia coletiva, como estudo de ambiente e como exercício estético. E talvez isso seja o mais honesto que a obra poderia entregar, já que a vida real nunca ofereceu um desfecho. A ausência de respostas incomoda, e justamente por isso faz sentido. Nem todo horror se revela. Nem toda história quer ser resolvida.
“O Monstro de Florença”
Direção: Stefano Sollima, Leonardo Fasoli
Elenco: Marco Bullitta, Valentino Mannias, Francesca Olia
Disponível em: Netflix
Fique por dentro das novidades das maiores marcas do mundo! Acesse nosso site Marca Pop e descubra as tendências em primeira mão.






