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Crítica: “O Royal Hotel” (The Royal Hotel)

Em um recanto isolado da Austrália, cercado por desertos áridos e pela promessa ilusória de aventura, “O Royal Hotel” se revela como um thriller psicológico que trabalha mais com a sugestão do que com o choque explícito. Kitty Green constrói um filme que transforma o ordinário em uma experiência sufocante, usando o ambiente remoto como metáfora para a vulnerabilidade feminina em espaços dominados por uma masculinidade tóxica que, muitas vezes, nem precisa de violência física para ferir.

Crítica: “O Royal Hotel” (The Royal Hotel)

A trama acompanha Hanna (Julia Garner) e Liv (Jessica Henwick), mochileiras canadenses que aceitam um emprego temporário em um bar decadente no interior australiano. A decisão, tomada por necessidade financeira, as coloca em um ambiente em que olhares insistentes, comentários aparentemente inofensivos e comportamentos invasivos se acumulam em uma atmosfera de crescente desconforto. Green transforma cada interação em uma ameaça velada, um lembrete de como a violência simbólica pode ser tão devastadora quanto a explícita.

A diretora repete aqui a sofisticação narrativa apresentada em “The Assistant”, mas opta por um tom mais cru e direto. A câmera de Green, fria e calculada, parece espreitar as personagens, revelando um mundo onde o perigo nunca precisa aparecer em cena para ser sentido. Essa abordagem reforça a sensação de que o terror psicológico é, muitas vezes, mais impactante que o espetáculo. “O Royal Hotel” não procura choques fáceis, mas sim o desconforto persistente que acompanha o espectador mesmo após os créditos finais.

Julia Garner entrega uma atuação que transcende palavras, explorando nuances de medo, desconfiança e resiliência em olhares e gestos contidos. Jessica Henwick equilibra essa tensão com uma energia que transita entre o espírito livre e a ingenuidade de quem não percebe, de imediato, a gravidade da situação. O elenco secundário, com destaque para Daniel Henshall, reforça o clima de ameaça latente sem nunca cair na caricatura.

Há um contraste interessante entre o cenário amplo e a sensação de clausura. O espaço físico vasto da Austrália rural só amplifica a ideia de isolamento, como se a paisagem, bela e inóspita, fosse cúmplice do perigo que ronda as protagonistas. A fotografia aposta em tons desbotados, captando a aridez da região e reforçando a desesperança que permeia a narrativa.

Se “The Assistant” era um estudo meticuloso sobre os bastidores de uma estrutura de poder invisível, “O Royal Hotel” é um retrato de como a intimidação se manifesta em situações cotidianas, transformando pequenas interações em um verdadeiro campo minado emocional. Green demonstra um domínio impressionante da tensão narrativa, provando que o horror pode estar no olhar de quem observa, não no ato explícito.

A resolução do longa pode dividir opiniões, já que opta por um desfecho abrupto que contrasta com o ritmo gradual de construção do suspense. Ainda assim, a decisão narrativa reforça a temática central: situações de perigo real raramente têm finais organizados ou satisfatórios. A obra, portanto, se mantém fiel ao desconforto que propõe desde a primeira cena.

“O Royal Hotel” não se limita a ser um thriller sobre duas mulheres em perigo, é uma reflexão sobre o peso da misoginia cotidiana, sobre a sensação de estar sempre em alerta em um mundo que, mesmo quando não ataca diretamente, intimida por existir.

“O Royal Hotel”
Direção: Kitty Green
Elenco: Julia Garner, Jessica Henwick, Toby Wallace, Daniel Henshall
Disponível em: Netflix

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