O cinema brasileiro tem explorado, com cada vez mais sofisticação, narrativas que transcendem o realismo puro para mergulhar no híbrido entre crítica social e realismo mágico. “O Último Azul“, dirigido por Gabriel Mascaro, insere-se nessa linhagem, usando um Brasil distópico como espelho de nossa realidade para contar uma história de deslocamento, envelhecimento e resistência individual.
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O longa se constrói em torno de Tereza, uma mulher de 77 anos que vive em uma cidade industrial na Amazônia e recebe um chamado governamental para deixar sua casa e morar em uma colônia habitacional para idosos. Antes de aceitar essa imposição, ela embarca em uma viagem fluvial que, muito mais do que um deslocamento físico, representa um despertar tardio para o que restou de sua autonomia.
O filme se destaca imediatamente pelo seu design de produção meticulosamente construído, que coloca a Amazônia como um personagem vivo e pulsante. Não se trata de um cenário de fundo ou de um elemento exótico para compor uma fábula, mas de um espaço ativo, que influi diretamente no desenvolvimento da protagonista. Os rios e afluentes por onde Tereza viaja representam, ao mesmo tempo, o fluxo da vida e a incerteza do futuro.
Dessa forma, Mascaro cria um ambiente imersivo onde a fotografia e a direção de arte trabalham juntas para enfatizar tanto a beleza natural quanto a degradação industrial, estabelecendo um contraponto entre a organicidade dos elementos naturais e o rigor impessoal das políticas governamentais que buscam deslocar a protagonista.
A jornada de Tereza é moldada pelo encontro com personagens que ampliam sua visão de mundo, principalmente Cadu (Rodrigo Santoro), um marinheiro que encarna a liberdade que ela nunca teve, e Roberta (Miriam Socarrás), cuja presença traz provocações que desafiam sua perspectiva de vida. Esses encontros reforçam a temática central do filme: o questionamento da noção de envelhecimento como uma fase de passividade e invisibilidade.
A atuação de Tereza e a direção de Mascaro evitam sentimentalismos fáceis. A personagem é complexa, às vezes resistente, outras vezes entregue aos seus sentimentos recém-descobertos. Não há um retrato romântico do “recomeço na velhice”, mas sim um olhar pragmático sobre como as escolhas tardias também têm seus custos e suas urgências.
Se o realismo de “O Último Azul” é contundente, seu realismo mágico se desenrola de forma sutil e orgânica. Os elementos naturais interagem com a narrativa de maneira simbólica, funcionando como portais de significado para a transformação de Tereza. Os caracóis alucinógenos, os crocodilos e os peixes tropicais não são apenas detalhes estéticos, mas metáforas de um renascimento e de uma ligação com o desconhecido. Ao longo da jornada, esses elementos deixam de ser meras presenças para se tornarem aliados, sugerindo um mundo onde o invisível e o espiritual influenciam a realidade tanto quanto as leis e políticas opressivas.
A distopia apresentada no filme não é futurista, ela é um reflexo amplificado de realidades que já se desenrolam em diversas partes do Brasil. A política autoritária que expulsa idosos de suas casas em nome da “eficiência habitacional” é um símbolo do abandono sistemático de populações vulneráveis. Tereza, que passou a vida trabalhando, criando os filhos e se adequando às exigências do mundo, descobre na velhice que ainda precisa lutar para ter o direito de decidir onde e como viver.
O roteiro não se limita a denunciar esse estado de coisas de forma panfletária, mas o faz através do impacto direto na personagem. Sua jornada é, acima de tudo, uma tomada de consciência, e sua escolha de resistência, mesmo que silenciosa, ecoa uma forma de dissidência contra a desumanização do envelhecimento.
O “Último Azul” é um filme que opera em vários níveis: é uma história de redenção pessoal, um road movie fluvial, um estudo de personagem e um manifesto visual contra o apagamento de uma geração que ajudou a construir o país. Com uma cinematografia hipnótica, uma direção segura e uma atuação principal carregada de nuances, a obra de Gabriel Mascaro se firma como um dos exemplares mais sofisticados do cinema brasileiro recente.
Se sua distopia não é tão distante assim da nossa realidade, sua mensagem é clara: resistir é também uma forma de viver.
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