“Partir un Jour” apresenta um estudo preciso sobre retorno, tempo e identidade por meio de uma dramédia musical que abraça naturalismo sem abrir mão de lirismo visual. Cécile, chef em ascensão que troca Paris por sua cidade natal após o ataque cardíaco do pai, torna-se guia de uma reflexão sobre sonhos suspensos, raízes emotivas e escolhas que voltam a latejar quando o passado bate à porta.
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A direção emprega encenação minimalista que alterna realismo quotidiano e momentos quase oníricos, sempre a serviço do olhar subjetivo da protagonista. Planos fechados capturam o cansaço nos gestos de Cécile enquanto planos-sequência largos revelam a geografia afetiva dos lugares revisitados. Essa transição estilística ocorre sem fricção graças a uma fotografia que contrapõe a paleta neutra da província a cores mais saturadas nos instantes em que a música invade a diegese. A variação cromática atua como barômetro emocional, permitindo que cada número musical assinale uma mudança interna sem recorrer a artifícios óbvios.
A trilha mistura canções originais a rearranjos sutis de hits franceses dos anos 1990, recurso que convoca memória coletiva sem escorregar em pastiche. As coreografias surgem de forma orgânica, quase sempre partindo de gestos cotidianos na cozinha ou na praça da cidade, o que reforça o desejo do filme por autenticidade. Essa integração entre narrativa e música produz clímax emocionais que soam verdadeiros porque nascem de ações dramáticas, não de interlúdios artificiais.
Fatma Sfar sustenta o filme com interpretação calibrada, navegando da fragilidade à decisão firme sem teatralidade. Sua química com Raphaël acrescenta densidade às cenas de reencontro, evitando romantização simplista. Os coadjuvantes, mesmo aqueles de presença breve, recebem direção atenta que confere textura humana à trama. O script, no entanto, perde concisão no segundo ato ao inserir subenredos que desviam o foco da jornada interior de Cécile. Uma montagem levemente mais ágil economizaria ao menos quinze minutos, entregando impacto narrativo mais concentrado.
Tecnicamente, a edição de som complementa a fotografia ao envelopar o espectador em ambiente acústico intimista: ruídos de pratos, passos sobre paralelepípedos e o batimento cadenciado de panelas ecoam as memórias que Cécile tenta reorganizar. Quando a música entra, arranjos de cordas discretas se sobrepõem a pulsos eletrônicos leves, espelhando a fusão entre passado e presente que define a personagem. O cuidado sonoro cria a sensação de que cada elemento da mise-en-scène participa da subjetividade de Cécile.
“Partir un Jour” alcança força especial na forma como trata o tempo. Pequenos anacronismos na cenografia sugerem suspensão temporal, trazendo a década de 2000 para mais perto do hoje sem localização exata. Esse efeito legítima a saudade como mecanismo dramático, nunca mero fetiche visual.
Mesmo com pequenos excessos de trama, a obra prova que simplicidade formal pode acolher camadas complexas de significado. O resultado é um filme que interroga a ideia de retorno sem responder todas as perguntas, convidando o espectador a perceber que crescer implica negociar continuamente com o lugar de onde se veio.
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