A experiência cinematográfica pode ser definida por inúmeras variáveis, narrativa, fotografia, direção, montagem mas poucos filmes desafiam tão diretamente a forma tradicional de contar histórias quanto “Presença”. Com uma abordagem inovadora e tecnicamente desafiadora, o diretor Steven Soderbergh mais uma vez demonstra sua inquietação artística ao construir um terror sobrenatural inteiramente a partir da perspectiva de uma entidade invisível. O resultado não é apenas um exercício de estilo, mas uma imersão absoluta na atmosfera do filme, forçando o espectador a observar silenciosamente os eventos como um voyeur etéreo, incapaz de interagir, mas sempre presente.
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A trama acompanha uma família que se muda para uma nova casa, sem saber que já há uma presença ali. Lucy Liu e Chris Sullivan interpretam um casal tentando equilibrar as dificuldades da vida conjugal com os desafios da criação de filhos adolescentes, enquanto tensões não resolvidas se acumulam entre os membros da família. Mas, enquanto lidam com seus próprios dilemas, algo (ou alguém) os observa. Uma entidade silenciosa e impalpável compartilha o mesmo espaço, testemunhando cada momento de discórdia e dor, sem que ninguém possa vê-la. O que poderia ser uma premissa genérica de um filme de terror ganha camadas de complexidade à medida que Soderbergh transforma essa presença fantasmagórica em um olhar subjetivo, guiando a câmera de maneira flutuante e quase etérea, reforçando o desconforto do espectador diante da inevitabilidade dos eventos.
A opção por filmar inteiramente do ponto de vista do espírito torna-se a grande assinatura visual da obra. A direção de fotografia, conduzida pelo próprio Soderbergh sob um de seus pseudônimos habituais, utiliza planos-sequência suaves e cadenciados para simular a visão da entidade. A câmera desliza pelos ambientes como um observador mudo, uma presença inquietante que vê tudo sem ser percebida. O resultado é um efeito perturbador de voyeurismo desencarnado, onde a casa não é apenas o cenário da história, mas um espaço vivo, respirando tensão e melancolia.
A inovação formal poderia facilmente se tornar um truque vazio caso não houvesse um drama convincente no centro da narrativa. Felizmente, o roteiro de David Koepp estabelece com precisão os conflitos internos dos personagens, garantindo que o terror sobrenatural não ofusque a carga emocional da história. O núcleo familiar é retratado com nuances, mostrando não apenas a deterioração das relações, mas também os pequenos momentos de conexão que tornam seus membros dolorosamente humanos. Chris Sullivan, em particular, entrega uma performance que equilibra fragilidade e frustração, criando um retrato sincero de um pai tentando manter sua família unida enquanto tudo ao seu redor desmorona.
A filha mais nova, Rebecca, se posiciona como o elemento mais intrigante em “Presença”. Marcada pela perda recente de sua melhor amiga e presa em uma relação destrutiva com um colega de escola, ela se torna o foco emocional da narrativa, carregando um sofrimento silencioso que ressoa profundamente na entidade que a observa. Sua jornada é essencial para a crescente atmosfera de opressão, pois, à medida que sua dor se intensifica, a presença fantasmagórica parece se tornar mais perceptível, mais ativa, como se reagisse à sua angústia de maneira quase empática.
No que diz respeito ao terror propriamente dito, há uma dualidade fascinante na forma como os elementos sobrenaturais são apresentados. Se por um lado o filme se recusa a recorrer aos sustos fáceis e artificiais, por outro ele constrói uma sensação constante de inquietação através de detalhes sutis. Objetos que se movem levemente, reflexos que não correspondem à realidade, sombras que parecem se alongar de maneira antinatural – tudo contribui para uma atmosfera densa e carregada, onde a ameaça nunca se materializa completamente, mas sempre se insinua.
A terceira e última parte do filme subverte de forma engenhosa as expectativas do espectador. O clímax não aposta em uma grande revelação ou um confronto catártico entre os vivos e os mortos, mas em um desfecho emocionalmente devastador, que reformula tudo o que foi visto até então. Em vez de respostas concretas, há um peso emocional que ressoa muito além dos créditos finais, um lembrete de que, às vezes, os fantasmas mais aterrorizantes são aqueles que carregamos dentro de nós.
Ao final, fica claro que o maior triunfo do filme não está apenas na ousadia técnica ou na inovação narrativa, mas na forma como utiliza esses recursos para contar uma história genuinamente humana. Não é um terror que se preocupa em chocar, mas sim em incomodar, em fazer com que o espectador sinta o peso de sua própria presença enquanto observa o sofrimento alheio sem poder intervir. Soderbergh, mais uma vez, reafirma seu talento para desafiar convenções, entregando uma obra que não apenas amplia as possibilidades do gênero, mas também deixa uma marca duradoura na mente de quem a assiste.
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