Quando o Pulp decidiu romper um silêncio discográfico de mais de duas décadas, não parecia haver qualquer intenção de revisitar o passado como um museu de si mesmo. “More” surge como um documento existencial de uma banda que sabe exatamente onde está e, principalmente, quem não quer ser.
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Há uma maturidade desconfortável atravessando todo o disco. O tipo de desconforto que não nasce da insegurança, mas da autoconsciência. O Pulp nunca foi uma banda acomodada no papel que lhe atribuíam. Flertou com o pop, simulou glamour, sabotou a própria fama e, agora, retorna completamente imune a qualquer expectativa alheia. O que se ouve aqui é uma obra feita sob as regras de quem já entendeu que o passado não volta e que replicá-lo seria, no mínimo, patético.
A estética sonora de “More” caminha com um pé no deboche e outro no desconforto. O disco é elegante no caos, preciso no excesso, irônico na própria dramaticidade. Existe um senso de teatralidade que não se limita às letras, mas se infiltra nos arranjos, nas pausas, nos silêncios desconcertantes e na crueza proposital das escolhas. Não há qualquer compromisso em soar agradável, muito menos em oferecer refrões fáceis, estruturas convencionais ou qualquer sinal de complacência artística.
O jogo de texturas revela uma banda que trabalha a própria discografia como matéria-prima para subversão. Tudo soa familiar e, ao mesmo tempo, deliberadamente estranho. A voz de Jarvis Cocker, agora mais grave, mais áspera, carrega uma carga dramática que não tenta mascarar o desgaste do tempo. Pelo contrário, faz dele um elemento estético essencial. É o som de quem não tenta soar jovem, não busca parecer relevante e justamente por isso se torna absolutamente relevante.
Por vezes, o disco parece operar no limite entre a autossátira e a elegia. Há uma desconstrução clara da própria mitologia construída ao longo dos anos. E, se em alguns momentos esse processo soa exaustivo, é porque nunca foi desenhado para ser confortável. A proposta não é oferecer nostalgia como commodity, mas sim encará-la como uma experiência desconcertante, um exercício de desconstrução de identidade.
Quando o disco encontra seu eixo, ele atinge picos emocionais que transcendem qualquer expectativa. A capacidade do Pulp de transformar o ordinário em poesia permanece intacta, assim como a habilidade de traduzir as contradições do envelhecer em som, texto e atmosfera. O humor ácido, o olhar cínico sobre o mundo e a permanente sensação de deslocamento seguem como motores criativos.
“More” não busca competir com os clássicos que moldaram a banda nos anos 90. Não há nenhuma tentativa de soar como “Different Class”, nem de replicar os abismos emocionais de “This Is Hardcore”. O que existe aqui é um outro capítulo. Um que rejeita tanto o conforto da nostalgia quanto a armadilha da modernidade forçada. É um disco que entende seu próprio tempo, feito por artistas que se recusam a ser caricatura da própria juventude.
O resultado não é perfeito, não é redondo, nem se propõe a ser. É imperfeito na medida exata em que precisa ser, porque essa imperfeição é, na verdade, a única honestidade possível para uma banda como o Pulp em 2025. E talvez seja justamente aí que resida sua maior grandeza.
Nota: 77/100
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