“Ricky Stanicky” parte de uma premissa tão absurda que, vista de longe, até parece encontrar algum charme. Três adolescentes queimam a casa do vizinho em uma dessas ideias que viram lenda urbana de cidade pequena e, para escapar da responsabilidade, inventam um culpado que não existe. Duas décadas se passam, as vidas seguem, mas o personagem imaginário continua sendo o álibi oficial de três marmanjos incapazes de assumir o próprio caos. Esse é o coração da comédia que Peter Farrelly tenta conduzir com ritmo, carisma e uma estrutura que aposta na energia dos protagonistas, especialmente Zac Efron e John Cena.
A verdade é que “Ricky Stanicky” funciona melhor quando abraça o absurdo em vez de tentar justificá-lo. O trio de protagonistas vive preso a uma fantasia que nunca deveria ter sobrevivido à adolescência, e o filme encontra sua força justamente quando expõe o quanto esse tipo de mentira se torna um vício emocional. Criar alguém para culpar é sempre mais fácil do que lidar com as rachaduras que já existiam. Quando as esposas dos três exigem conhecer o tal Ricky, o grupo decide contratar um ator fracassado para interpretar a criatura que eles mesmos criaram. É aí que John Cena entra em cena com seu timing físico e sua capacidade de transformar exagero em energia cômica genuína.
Farrelly, veterano da comédia que marcou gerações, tenta revisitar o espírito de produções como “There’s Something About Mary”, mas substitui o humor grosseiro dos anos 90 por uma estética mais polida. A montagem é ágil, Efron está confortável no registro do sujeito que tenta controlar o próprio desastre, e Cena entende perfeitamente como amplificar o caos. O problema é que “Ricky Stanicky” nem sempre sabe onde quer pousar. Alterna entre sátira, buddy comedy e quase um drama leve sobre amadurecimento, sem se comprometer de verdade com nenhum desses caminhos.
A estrutura gira ao redor da construção do mito de Ricky, um personagem tão moldável que acaba se tornando mais real do que os próprios criadores. Existe algo de irônico e até provocador na ideia de que uma mentira repetida por 20 anos se torna um personagem mais interessante do que homens que passaram a vida fugindo das próprias escolhas. O filme toca nesse ponto, porém não aprofunda. Prefere se apoiar em situações exageradas e sequências de improviso que seguram a narrativa, mas nem sempre elevam o material.
Ainda assim, é inegável que existe uma química curiosa entre Efron e Cena. Cena domina cada aparição, e Farrelly, experiente em extrair emoção de cenários improváveis, tenta romper a caricatura sempre que possível. Há momentos que lembram o Farrelly premiado por “Green Book”, mas eles aparecem de forma tímida, quase como lampejos de um filme mais ambicioso escondido ali.
“Ricky Stanicky” funciona como comédia despretensiosa com atores que sabem entregar humor físico e exagero calculado. É um filme sobre mentiras que crescem demais, amizades que se escondem atrás delas e a eterna dificuldade masculina de admitir que quem precisa mudar não é o personagem inventado, mas quem o inventa. Falta ousadia, falta risco e falta um pouco mais de personalidade na direção, mas o elenco segura o riso e garante que a experiência seja leve o suficiente para divertir sem exigir muito de quem assiste.
“Ricky Stanicky”
Direção: Peter Farrelly
Roteiro: Jeffrey Bushell, Peter Farrelly
Elenco: Zac Efron, Andrew Santino, Jermaine Fowler, John Cena
Disponível em: Amazon Prime Video
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