“Rita Lee: Mania de Você” é um documentário que funciona menos como produto jornalístico e mais como um gesto de despedida. Concebido com aval e participação direta da família de Rita, o filme mergulha na trajetória pessoal e artística da cantora a partir de um ponto delicado: a carta que ela deixou aos filhos e a Roberto de Carvalho antes de morrer. A estrutura é toda construída ao redor dessa dimensão afetiva e doméstica, o que torna o documentário um registro intimista e emocionalmente carregado, ainda que por vezes comedido em profundidade crítica.
Avenida Paulista tem cinema e pocket shows gratuitos em maio; confira

A montagem do filme surpreende pela riqueza de imagens de arquivo e documentos inéditos. São registros raros, fotografias caseiras, vídeos dos bastidores e lembranças que ajudam a construir um retrato multifacetado de Rita: mãe, esposa, criadora, transgressora e ícone pop. A escolha por uma estética mais limpa e orgânica também contribui para deixar o protagonismo com os depoimentos todos próximos, emotivos e pessoais, de pessoas que realmente conviveram com ela.
Há um esforço genuíno em mostrar Rita como alguém corajosa até o fim, que enfrentou preconceito, censura, solidão, dependência química e doenças com uma postura absolutamente franca. A narrativa não romantiza os desafios de sua vida, mas também evita transformá-los em espetáculo. O foco é a autenticidade. Rita é mostrada como uma artista que nunca pediu licença: fez o que queria, da forma que acreditava, e nesse processo abriu portas para incontáveis outras vozes femininas e irreverentes na música brasileira.
A presença constante de Roberto de Carvalho e dos filhos reforça a ideia de que o documentário é menos um retrato cronológico e mais um álbum de memórias cuidadosamente compartilhado. São esses momentos como os filhos comentando sobre a criação em uma casa onde o estranho era o normal, ou Roberto relembrando o processo criativo a dois que dão carne e alma ao mito, humanizando uma figura que, ao longo das décadas, tantas vezes pareceu inalcançável.
O filme também revisita episódios importantes e nem sempre celebrados, como a prisão de Rita na ditadura militar. Esses momentos reforçam a dimensão política de sua existência: a liberdade que Rita exercia como direito fundamental era, em si, um ato de resistência. Ao lado de Mutantes, e depois em carreira solo, ela ajudou a ressignificar o papel da mulher na música, tensionando padrões morais, sociais e artísticos com humor, ironia e criatividade.
É possível imaginar que, em outro formato, a vida de Rita ganharia camadas adicionais. Ainda assim, o filme é extremamente eficaz ao capturar o que Rita Lee sempre foi: inclassificável, contraditória, expansiva, divertida, brutalmente honesta e absolutamente indispensável para a cultura brasileira.
“Rita Lee: Mania de Você” não tenta explicar Rita. Ele a acompanha. Ele a observa, sorri, chora e, por fim, se despede com a certeza de que sua música, sua liberdade e seu legado continuarão pulsando como uma trilha sonora permanente da rebeldia criativa nacional.
Fique por dentro das novidades das maiores marcas do mundo! Acesse nosso site Marca Pop e descubra as tendências em primeira mão.