Em “Serra das Almas”, o diretor Lírio Ferreira entrega um projeto que busca dialogar intensamente com as tradições estéticas e narrativas do cinema pernambucano da retomada, ao mesmo tempo em que propõe um thriller com matizes de ação, drama e terror. Ambientado em uma cidade do interior de Pernambuco, o filme constrói seu enredo a partir de uma emboscada envolvendo jornalistas, ladrões e figuras políticas corrompidas, todos confinados em um espaço que se torna, gradativamente, um microcosmo de tensão e colapso moral.
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Narrativamente, o roteiro aposta em uma estrutura coral, permitindo que diferentes personagens cruzem suas trajetórias de forma caótica e imprevisível. Essa decisão narrativa adiciona um nível saudável de incerteza, reforçando a sensação de que ninguém está seguro e de que qualquer personagem pode desaparecer ou ressurgir a qualquer momento. O ambiente de hotel, escolhido como palco principal da ação, reforça essa fluidez — um espaço de passagem, de anonimato e de encontros casuais —, conferindo ao filme uma camada de verossimilhança e imprevisibilidade.
No entanto, o ritmo arrastado e a fragmentação temporal tornam a experiência irregular. A montagem, embora pretenda sugerir a dilatação do tempo sob pressão, frequentemente compromete a fluidez narrativa, tornando difícil para o espectador se orientar no espaço-tempo da história. A ausência de marcações claras de passagem temporal e a repetição de situações enfraquecem a progressão dramática.
Do ponto de vista visual, “Serra das Almas” apresenta momentos de real beleza. A fotografia destaca-se em cenas de contemplação e imersão no ambiente sertanejo, como a bela composição dos personagens sentados na calçada do sítio, capturando a aspereza e a nostalgia desses espaços com autenticidade. A direção de arte acerta ao reconstruir espaços que parecem vividos, evitando idealizações do sertão.
Por outro lado, o filme tropeça no uso forçado de gírias e vícios linguísticos, que soam artificiais e carregam o risco de reforçar estereótipos sobre a região e seus habitantes. O cuidado na representação do universo sertanejo, tão característico do cinema pernambucano recente, aqui perde parte de sua potência ao escorregar em caricaturas linguísticas e culturais.
Em termos de atmosfera, há uma tentativa consciente de trabalhar o suspense e o humor negro, mas a falta de consistência no tom dificulta a imersão. Em certos momentos, o filme parece hesitar entre o realismo dramático e a sátira, sem se comprometer plenamente com nenhum dos dois, o que gera uma sensação de dispersão emocional.
Importante destacar que “Serra das Almas” se reconhece como parte de uma linhagem cinematográfica, não tentando negar seus antecessores, mas sim revisitá-los sob novas inflexões. O filme opera mais como uma variação — uma espécie de eco — dos fantasmas de um cinema de identidade regional do que como uma inovação disruptiva. Essa escolha pode frustrar expectativas de novidade, mas é também um gesto de permanência e reinscrição estética.
“Serra das Almas” é um filme de intenções claras, que constrói uma atmosfera de tensão e incerteza com base em arquétipos conhecidos do cinema nordestino contemporâneo. Apesar das boas ideias visuais e da construção cuidadosa de espaços, a execução narrativa irregular, o ritmo excessivamente lento e o uso questionável de estereótipos linguísticos prejudicam o impacto final da obra. Ainda assim, para quem acompanha a trajetória do cinema pernambucano, “Serra das Almas” oferece um interessante estudo sobre como o passado cinematográfico regional continua reverberando nas produções atuais.
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