A primeira parte da última temporada de “Stranger Things“ lida com o peso de nove anos de fenômeno cultural e um desafio que poucas séries de fantasia e terror conseguiram cumprir: evoluir sem desmontar a própria essência. Hawkins, envelhecida e reconstruída sob aço e paranoia militar, vira palco de uma narrativa que busca redimir o caos das temporadas anteriores. A série recupera a força de grupo, a tensão emocional e o senso de perigo que sempre sustentaram o melhor da sua mitologia. Existe uma intenção clara de devolver a história ao seu eixo original, onde personagens e monstros compartilham o mesmo tabuleiro sem dispersão geográfica ou dramática.
A temporada se passa dezoito meses após o confronto com Vecna e investe em um clima de clausura que redefine o que Hawkins representa. Mérito dos irmãos Duffer, que alcançam um equilíbrio raro entre precisão técnica e energia emocional. As rachaduras físicas que cortam a cidade funcionam como alegorias para rachaduras internas acumuladas ao longo da série. Nada aqui é cosmético. Cada diálogo reforça uma sensação de cansaço coletivo, mas também de urgência absoluta.
O volume 1 deixa evidente que a série encontrou maturidade cinematográfica. São quatro episódios que funcionam como longas-metragens individuais, com fotografia mais escura e estável, ritmo calculado e uma direção consciente dos próprios limites. Maya Hawke, por exemplo, transforma Robin em fio condutor dos novos espaços narrativos. A estação de rádio WSQK passa a ser o tipo de recurso diegético que ajuda a aquecer o clima de colapso. Joyce e Hopper sustentam a espinha emocional da temporada, cada vez mais desencantados e cada vez mais determinados a proteger algo que talvez já esteja perdido. Millie Bobby Brown entrega a versão mais controlada e intensa de Eleven, finalmente moldada para carregar a responsabilidade dramática que sua personagem sempre prometeu.
A série trabalha o retorno a Hawkins como movimento estratégico. O grupo unido outra vez cria uma dinâmica que os fãs desejavam há muito tempo. Mike, Dustin e Lucas recuperam o coração da narrativa, agora menos guiados por nostalgia e mais por culpa, medo e convicção. O Upside Down ganha presença física mais opressora, complementada por uma construção sonora que ecoa ruído metálico, baixa frequência e tensão latente. A trilha segue poderosa, sempre usando clássicos de maneira emocionalmente calculada. Quando a versão épica de “Child in Time”, do Deep Purple, surge no teaser da temporada, ela parece até prenúncio do tom da série: épico, melancólico e cheio de urgência.
Will é o centro nervoso dessa fase. Os episódios criam uma camada simbólica poderosa entre ele e Vecna. O vínculo entre os dois deixa de ser trauma acidental e passa a ser uma espécie de conexão inevitável, como se o próprio personagem fosse um arquivo corrompido em constante risco de se abrir. Essa escolha confere densidade técnica à temporada. Existe uma precisão narrativa impressionante na forma como o roteiro utiliza Will para medir o avanço da ameaça.
Enquanto isso, Holly Wheeler e sua relação com o misterioso “Mr. Whatsit” aparecem como o tipo de detalhe que os Duffers sempre souberam plantar. Pequenos sinais, pequenas presenças, pequenas distorções. É assim que a série volta ao terror mais psicológico, aquele das primeiras cenas de 2016, quando tudo parecia maior e mais perigoso do que o mundo infantil que observava.
Linda Hamilton surge como peça importante nessa engrenagem. Sua Dra. Kay dá ao núcleo governamental uma credibilidade dura e realista que faltava desde as primeiras temporadas. A personagem ajuda a elevar a ameaça institucional sem exagero ou obviedade.
A coma de Max paira sobre tudo. A ausência ativa da personagem cria uma espécie de buraco emocional que a série utiliza muito bem. Cada menção a ela funciona como aviso silencioso de que a dor ainda respira dentro daquele grupo.
A primeira parte da quinta temporada funciona porque abraça o caos sem perder o foco. Existe cuidado, método e intenção. Existe uma consciência profunda do que o público espera e, ao mesmo tempo, uma coragem de ajustar a série ao desgaste natural do tempo. O que vemos é uma história que cresceu junto com seu elenco, com seus espectadores e com a própria televisão contemporânea.
O volume 1 já entrega o que promete: peso emocional, terror mais direto, personagens reunidos, ritmo seguro e a sensação de que cada minuto importa. Uma temporada que entende sua própria responsabilidade histórica.
O futuro dos próximos volumes depende de como a série vai equilibrar o sentimentalismo acumulado com o clímax final, previsto para alcançar escala de blockbuster. O que já está claro é simples: “Stranger Things” recuperou sua identidade e assumiu seu destino como uma das produções mais marcantes da Netflix. E isso basta para transformar a parte 1 em momento decisivo para a cultura pop.
“Stranger Things” – Temporada 5, Parte 1
Direção: Irmãos Duffer, Shawn Levy, Dan Trachtenberg, Frank Darabont
Elenco: Millie Bobby Brown, Finn Wolfhard, Gaten Matarazzo, Caleb McLaughlin, Noah Schnapp, Sadie Sink, Winona Ryder, David Harbour, Natalia Dyer, Charlie Heaton, Joe Keery, Maya Hawke, Priah Ferguson, Amybeth McNulty, Brett Gelman, Cara Buono, Jamie Campbell Bower, Linda Hamilton
Disponível em: Netflix
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