Existe uma força curiosa dentro de “Tremembé”. A série entra no coração do presídio paulista como quem atravessa um corredor estreito onde cada passo devolve um eco social, moral e histórico. O projeto funciona como um espelho de metal fosco: não reflete com perfeição, mas entrega o suficiente para revelar a distorção. E é nessa distorção que a série encontra sua identidade.

A produção nasce de um terreno já saturado pelo fascínio nacional por histórias de crimes de alta repercussão. O Brasil consome seus monstros como se fosse um hábito cultural. E a série se aproveita dessa fome sem transformar cada caso em dossiê, mas em ambientação. O olhar não tenta dissecar as trajetórias de Suzane von Richthofen, Cristian Cravinhos, Daniel Cravinhos, Elize Matsunaga ou Roger Abdelmassih. A série decide observar o cotidiano, como se estivesse registrando o clima interno de um lugar onde o ar pesa o dobro, e as paredes guardam mais versões do que verdades.
Esse foco no ambiente, e não na biografia de cada criminoso, funciona como declaração estética. “Tremembé” prefere mostrar como o sistema molda tudo à sua volta, até mesmo quem já parece irredimível. É uma estratégia narrativa que escapa das armadilhas do true crime mais didático, mas que exige muito mais consistência dramática do que a série consegue sustentar o tempo todo.
A direção aposta em ritmo irregular, que alterna tensão psicológica com momentos puramente salariais. Esse desequilíbrio gera incômodos, mas também reforça a sensação de território instável. O presídio é um organismo que respira de forma própria, e a série tenta acompanhar esse fôlego. Quando funciona, a obra parece atravessar o espectador como uma lâmina fria. Quando falha, tudo soa como um reality show que não sabe se deseja provocar reflexão ou audiência.
O elenco carrega boa parte do impacto. Marina Ruy Barbosa entrega uma Suzane estudada, calculada, mas ainda presa a uma fragilidade que não combina com o gelo da figura real. Essa dissonância não destrói a personagem, mas enfraquece o arco proposto. Já a interpretação de Elize ganha robustez inesperada, com nuances que equilibram controle, manipulação e dor. Os atores dos irmãos Cravinhos funcionam como motores narrativos, oferecendo o tipo de energia que faz o ambiente ferver.
A grande surpresa vem do modo como a série trabalha suas tramas paralelas. Alguns personagens aparecem e desaparecem com explicações mínimas, quase como sombras circulando pela penitenciária. Isso pode frustrar quem espera profundidade, mas faz sentido dentro da lógica da obra: ali, ninguém é totalmente decifrado. Nem mesmo os que acham que já foram. Só que há lacunas que machucam o enredo, principalmente quando diálogos são resolvidos de forma abrupta ou quando cenas de sexo se acumulam sem agregar tensão dramática. A sensação é que esse recurso vira muleta estética, não ferramenta narrativa.
A trilha sonora é um dos pontos mais altos. Ela abraça o clima da série com precisão, como se fosse mais um guardião daquele universo. Há um cuidado em casar frequência, textura e ambiente, criando uma camada sonora que sustenta o impacto emocional de sequências que, sem ela, perderiam metade do peso.
Mas a série sofre quando tenta escalar seu próprio final. Tudo parece caminhar para uma estrutura que busca choque, só que o último episódio tropeça. A motivação da agressora que mira Suzane surge sem a clareza necessária, como se a narrativa tivesse corrido mais rápido do que seus próprios personagens. O desfecho tenta ser perturbador, mas termina disperso, incapaz de entregar a síntese moral que a história exigia.
Ainda assim, “Tremembé” é uma obra que cutuca, que expõe o ridículo do nosso sistema penal e o absurdo de como a sociedade transforma criminosos em celebridades involuntárias. A série transita entre ficção, crueza e exagero, criando um mosaico onde tudo parece possível, porque tudo realmente é possível dentro das fronteiras do presídio. O resultado provoca incômodo, às vezes desconforto, às vezes ironia. E talvez seja justamente aí que o projeto encontra sua verdade mais amarga.
A produção não tenta absolver, nem condenar. Apenas revela. E o que revela não é bonito, mas é real.
“Tremembé”
Direção: Vera Egito
Elenco: Marina Ruy Barbosa, João Pedro Mariano, Carolina Garcia
Disponível em: Prime Video
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