O caos das festas costuma revelar versões extremas das famílias, e “Um. Natal. Surreal.” utiliza essa premissa para tensionar o papel de Claire Clauster dentro de um ecossistema doméstico que vive à beira da combustão. Michelle Pfeiffer assume essa figura que segura as pontas enquanto a casa desmorona em microdoses diárias, uma espécie de guardiã silenciosa da ordem afetiva do Natal. A narrativa tenta dar forma a esse esgotamento acumulado e transformar o colapso da protagonista em um rito de libertação que move o filme do drama leve ao humor quase absurdo.

A diretora Michael Showalter constrói Claire como metáfora do desgaste de tantas mulheres que carregam tradições inteiras nas costas. A decisão de colocá-la em fuga, no rastro de um concurso televisivo que celebra a “Melhor Mãe Natalina”, funciona como crítica e exagero, ao mesmo tempo. Existe potência na ideia de observar o que acontece quando a figura que estrutura tudo sai de cena e deixa o resto da família diante de suas próprias fragilidades.
A questão é que essa potência aparece mais como intenção do que como prática. Em boa parte da narrativa, o filme tenta conciliar tons que disputam espaço sem encontrar equilíbrio real. O humor às vezes se apoia em caricaturas que reduzem personagens a ruído. O marido perdeu densidade dramática, os filhos orbitam comportamentos que parecem amplificados além do necessário e muitos coadjuvantes surgem com a função de interromper o fluxo narrativo em vez de reforçá-lo. O resultado é um cenário que abraça o caos, mas nem sempre o organiza de forma que engaje emocionalmente.
Mesmo assim, Pfeiffer protege a estrutura central da história. Ela entrega uma Claire que transita entre exaustão, alívio e uma espécie de renascimento tardio. Esse movimento confere ao filme uma verdade que resiste às irregularidades do roteiro. Quando a personagem abandona o cenário perfeito que construiu por anos e se joga na estrada com uma competitividade quase infantil, o filme encontra seu melhor terreno. Nesses momentos, surge uma narrativa que questiona padrões, ridiculariza expectativas e expõe o absurdo do que chamamos de “espírito natalino”.
A jornada paralela da família, tentando reencontrá-la, funciona como espelho das decisões de Claire. Existe ternura na busca, embora o texto nem sempre permita aprofundamento emocional que poderia transformar esse arco em algo mais marcante. A ideia é boa, mas faltam camadas. Showalter flerta o tempo todo com a sátira, a comédia física e o sentimentalismo, mas o choque entre essas linguagens impede que a obra alcance uma identidade narrativa realmente sólida.
Ainda assim, alguns momentos brilham. A direção compreende sutilezas do desgaste emocional e utiliza elementos visuais para reforçar a sensação de colapso afetivo. A trilha, as escolhas de cor e até o ritmo da montagem apontam para um filme que quer brincar com excesso sem perder de vista uma sensibilidade específica. Quando o filme encontra esse ponto, entrega cenas que conversam com o espectador e sustentam uma reflexão honesta sobre expectativa, sobrecarga e pertencimento.
O elenco de apoio também oferece boas faíscas, ainda que nem sempre bem aproveitadas. Felicity Jones cria um contraponto interessante, e Dominic Sessa surge como presença carismática, com momentos que ampliam o dinamismo da narrativa. São participações que ajudam a manter o filme vivo mesmo quando o roteiro vacila.
O longa “Um. Natal. Surreal.” se sustenta como entretenimento capaz de capturar pelo menos parte do que torna o período de festas tão contraditório. É uma obra que mistura doçura, fricção e exagero, nem sempre com precisão, mas com energia suficiente para criar identificação em quem entende o peso invisível de manter tudo funcionando enquanto o mundo insiste em girar mais rápido do que deveria. O filme poderia ser mais profundo, mais afiado, mais coeso, mas compensa suas arestas com momentos de sinceridade que aquecem a experiência.
“Um. Natal. Surreal.”
Direção: Michael Showalter
Elenco: Michelle Pfeiffer, Felicity Jones, Dominic Sessa
Disponível em: Amazon Prime Video
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