Dirigido por Paul Feig e protagonizado por Anna Kendrick e Blake Lively, “Um Pequeno Favor” se propõe a ser um suspense elegante com pitadas de comédia ácida, tensão sexual e reviravoltas absurdas. Durante a primeira metade, essa proposta funciona: há charme, ambiguidade e uma tensão palpável entre duas figuras femininas antagônicas. O problema é que, ao longo do segundo ato, o roteiro desmorona em um emaranhado de soluções narrativas incoerentes, um humor desajustado e um final que parece pertencer a outro filme.
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A dinâmica entre Stephanie (Kendrick), a mãe recatada com um vlog de culinária, e Emily (Lively), a executiva misteriosa e desbocada, sustenta o interesse nos primeiros 45 minutos. A construção dessas personagens se beneficia de um contraste bem delineado: de um lado, a figura submissa que reprime seus desejos; de outro, a mulher poderosa que desafia normas e manipula as aparências. Feig captura essa dualidade com precisão estilística, reforçada por um trabalho de câmera intencionalmente elaborado e uma direção de arte que brinca com o excesso, o luxo e o verniz do universo suburbano norte-americano.
Contudo, quando o filme decide assumir de vez sua natureza farsesca, a estrutura narrativa não consegue acompanhar o tom proposto. A virada envolvendo uma irmã gêmea, o seguro de vida fraudulento e a transmissão ao vivo da confissão final extrapolam a suspensão de descrença. A construção sólida da tensão inicial é substituída por uma sucessão de reviravoltas que beiram o nonsense, transformando personagens antes complexas em caricaturas.
Stephanie, por exemplo, começa como uma figura contida, quase ingênua, mas termina como uma espécie de detetive amadora com um plano mirabolante e comportamento inconsistente com o que havia sido estabelecido. A evolução da personagem, em vez de sugerir libertação ou descoberta pessoal, parece imposta pelo roteiro, sem a devida transição psicológica.
Ainda assim, há méritos técnicos e de atuação. Blake Lively domina cada cena com uma presença magnética, e Anna Kendrick explora nuances de insegurança e autossabotagem com competência. A ambientação é refinada, os figurinos contribuem para a construção de identidades visuais marcantes, e a trilha sonora pontua bem o flerte entre mistério e humor. Há também um olhar curioso sobre como as mulheres lidam com a performance pública de perfeição materna, algo que o filme chega a abordar, ainda que sem o aprofundamento necessário.
“Um Pequeno Favor” é um filme de contrastes. Sua promessa inicial de ser um suspense elegante, psicológico e provocativo se perde em uma avalanche de conveniências e absurdos. A sensação que fica é a de uma oportunidade desperdiçada: havia ali um potencial genuíno de explorar a amizade feminina, a rivalidade, os segredos e as máscaras sociais com mais substância. Em vez disso, opta-se por um clímax cômico e inverossímil, que distancia o espectador da seriedade do mistério e desvaloriza o impacto dramático acumulado.
Ainda que não seja um fracasso completo, o longa parece dividido entre ser uma sátira noir ou um suspense comercial convencional, e essa indecisão narrativa compromete seu resultado. Para alguns, a mistura pode soar divertida; para outros, apenas frustrante.
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