O documentário sueco “Uma Última Viagem” revela-se uma obra de rara sensibilidade emocional, articulando memórias pessoais com uma investigação intimista sobre o envelhecimento, a depressão e a potência restauradora dos vínculos familiares. Dirigido por Filip Hammar, que também protagoniza a jornada ao lado de seu pai Lars e do amigo Fredrik Wikingsson, o filme transcende o caráter biográfico para se firmar como um ensaio cinematográfico sobre o reencontro consigo mesmo e com o tempo perdido.
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Tecnicamente, o longa é refinado em sua simplicidade. A direção de fotografia privilegia enquadramentos naturais, explorando com leveza e poesia a paisagem francesa como uma espécie de espelho emocional da viagem. As cores cálidas, a câmera quase sempre em movimento e os closes sutis sobre os rostos dos protagonistas colaboram para um realismo comovente. Nada é forçado: o riso, o choro, o silêncio entre pai e filho, tudo pulsa com uma autenticidade que raramente se encontra em documentários autorreferentes.
O recurso narrativo central é a recriação de uma antiga viagem de infância. Esse gesto não apenas guia a estrutura da narrativa como reforça seu conteúdo simbólico. Há uma tentativa de recriar o passado para reacender o presente, mas a consciência da inevitabilidade do tempo nunca sai de cena. O Renault 4 laranja que os conduz pelas estradas da França é mais do que um veículo: é uma cápsula emocional que atravessa a perda, a frustração e o desejo de reconexão. A montagem acerta ao intercalar imagens do presente com registros antigos, construindo uma sobreposição delicada entre o antes e o agora.
Apesar do tom leve e do humor sutil frequentemente presente nas interações entre Filip e Fredrik o filme não evita a dor. Pelo contrário, trata com respeito e maturidade temas como o esvaziamento da identidade após a aposentadoria, o apagamento progressivo de desejos e o isolamento emocional. Lars, o pai, representa uma figura apagada que só começa a retomar vitalidade quando confrontado com situações que lhe remetem a quem já foi. O documentário, nesse sentido, assume uma função terapêutica tanto para ele quanto para o espectador: é sobre o valor de se reconectar, mesmo quando parece tarde demais.
É fundamental observar a ausência de sentimentalismo fácil. “Uma Última Viagem” poderia ter escorregado na construção de uma narrativa melodramática, mas opta por um tom contido, irônico em alguns momentos, sempre equilibrado. A relação entre pai e filho não é idealizada. Há desconfortos, silêncios, divergências e, acima de tudo, a consciência de que nem tudo pode ser consertado mas muito pode ser acolhido. Essa honestidade é o que torna o filme tão eficaz em sua proposta emocional.
Em termos de ritmo, o documentário avança com fluidez. Cada parada na estrada é pontuada por eventos cuidadosamente coreografados por Filip, mas sempre há espaço para o imprevisto, o que reforça a espontaneidade da jornada. As reações de Lars, ora céticas, ora ternas, são o termômetro emocional da narrativa. Já Filip, ao tentar reviver o passado, precisa lidar com o fato de que o presente exige outras formas de presença. A viagem é física, mas também simbólica: é um trajeto em direção ao amadurecimento afetivo de ambos.
“Uma Última Viagem” é, acima de tudo, um filme sobre humanidade. Sua força está em assumir que o envelhecimento é inevitável, mas que ainda há sentido e beleza nos encontros tardios. É sobre reconciliação com os outros e consigo mesmo. É uma obra que entende que recordar não é apenas lembrar, mas reinterpretar, reconstruir, reposicionar o afeto dentro de um novo tempo.
Mais do que um documentário comovente, é um exemplo do que o cinema pode alcançar quando parte da vulnerabilidade com sinceridade e apuro técnico. Uma pequena joia que honra o passado, sem negar as dores do presente, e reafirma o valor de seguir em frente com leveza, mesmo que em marcha lenta.