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Crítica: “Xamã: O Exorcista Pagão” (Shaman)

O cinema de horror adora colocar fé e ciência frente a frente, mas “Xamã: O Exorcista Pagão” captura algo mais profundo: o abismo cultural que se abre quando a arrogância da salvação encontra a força ancestral de uma comunidade que nunca pediu para ser salva. A trama se move pelo conflito entre mundos que operam sob lógicas distintas, revelando uma guerra silenciosa entre convicções que se recusam a dialogar.

Crítica: “Xamã: O Exorcista Pagão” (Shaman)

A história acompanha Candice e sua família em uma missão religiosa na zona rural do Equador, onde o cristianismo se sustenta como promessa de ordem e renúncia. A presença deles, no entanto, funciona como um corpo estranho, quase uma intervenção. O ambiente ao redor parece responder a essa intrusão com hostilidade simbólica e, mais tarde, física. Quando Elliot, o filho do casal, cruza os limites espirituais de uma caverna proibida, todo o equilíbrio se rompe. O que ocorre ali não é mero capricho sobrenatural, mas um choque entre cosmovisões que se afrontam desde o primeiro contato.

O filme trabalha com uma tensão constante entre dois sistemas de fé que se observam com desconfiança. O catolicismo trazido pelos missionários opera pela lógica do ritual moralizante, enquanto o conhecimento indígena enxerga o mal como algo inseparável da terra e da memória. É nesse contraste que o filme ganha densidade, especialmente quando os próprios personagens começam a se desfazer da ideia de que existe apenas um caminho para a salvação.

A direção de Antonio Negret investe em imagens que reforçam o caráter espiritual da região. O vulcão ao fundo marca presença como uma montanha guardiã, uma entidade silenciosa que parece vigiar cada passo dos estrangeiros. A câmera respeita o espaço natural, o silêncio das comunidades e o peso cultural que envolve cada ritual. Há uma intenção clara de evitar exotização gratuita, ainda que o filme nem sempre consiga escapar de alguns códigos tradicionais do terror de possessão.

A construção da atmosfera funciona bem. A fotografia extrai impacto do isolamento, dos vazios e da relação entre luz natural e sombras abruptas. A trilha e o desenho de som ampliam a sensação de inquietude, sendo utilizados como extensões sensoriais da presença sobrenatural. Quando o filme abraça seu lado folclórico, encontra uma identidade própria. O problema é que os momentos de possessão seguem caminhos conhecidos, com efeitos que se apoiam em CGI pouco convincente e escolhas visuais que lembram obras mais comerciais do gênero.

Ainda assim, é impossível ignorar o conflito humano que move a narrativa. Candice é apresentada como uma mulher que tenta sustentar uma versão idealizada de si mesma. Seu desejo de ser exemplo de virtude alimenta falhas que o filme explora com cuidado. A personagem é construída pela fricção entre aparência e responsabilidade, fé e desespero, orgulho e impotência. Quando ela começa a perder o controle sobre o próprio discurso religioso, o longa finalmente revela sua camada mais rica.

O elenco responde bem ao material. Sara Canning compõe Candice com intensidade emocional calculada. Daniel Gillies interpreta um pai dividido entre a culpa e o amor, enquanto Jett Klyne entrega um retrato eficiente do horror que se apodera de seu corpo. O elenco indígena funciona como eixo de equilíbrio, trazendo uma autenticidade que impede o filme de cair no olhar colonizador que tantas produções semelhantes carregam.

A narrativa atinge seu ponto mais interessante ao propor que a fé cristã não possui ferramentas suficientes para enfrentar uma entidade anterior ao próprio conceito de pecado. A incapacidade do padre local, somada ao desespero crescente da família, abre espaço para que a tradição ancestral se imponha como a única capaz de compreender o mal em sua dimensão completa.

“Xamã: O Exorcista Pagão” é mais forte quando confronta sistemas de crença e mais tímido quando tenta se alinhar ao terror contemporâneo de possessão. O resultado final combina um olhar folclórico instigante com escolhas convencionais, criando um filme que oscila entre o ousado e o familiar. Mesmo assim, oferece uma reflexão sólida sobre fé, identidade e os limites do controle humano diante do desconhecido.

“Xamã: O Exorcista Pagão”
Direção: Antonio Negret
Elenco: Sara Canning, Daniel Gillies, Jett Klyne
Disponível em: HBO Max

Avaliação: 3 de 5.

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