“As Maldições”, minissérie argentina da Netflix baseada no romance de Claudia Piñeiro, chega ao fim como uma dessas obras que parecem falar tanto sobre personagens quanto sobre o próprio tecido social de onde nasceram. São apenas três episódios, mas suficientes para mergulhar em um suspense político e familiar que, no desfecho, mostra que as verdadeiras maldições do título não vêm de forças ocultas, e sim das escolhas, dos segredos e das ambições humanas. O final não é sobre misticismo, mas sobre heranças tóxicas, sobre como a mentira se torna um fardo que atravessa gerações.
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A trama acompanha Fernando Rovira, vivido por Leonardo Sbaraglia, em meio a uma votação decisiva sobre a exploração de lítio no norte da Argentina. O recurso mineral, tratado como símbolo de progresso econômico, carrega também o peso da devastação ambiental e da disputa pelo poder. Enquanto tenta controlar os rumos da lei, Fernando vê sua filha Zoe ser sequestrada. O que parecia um movimento político acaba revelando um jogo muito mais íntimo e destrutivo. O suspense policial se mistura com o drama familiar e expõe que os maiores inimigos muitas vezes estão dentro de casa.
O sequestro conduz o espectador a um segredo de treze anos. Fernando não é o pai biológico de Zoe. Infértil, viu sua esposa recorrer a Román Sabaté, seu próprio secretário, como doador. Essa informação, mantida em silêncio durante anos, foi transformada em arma pela mãe de Román, Irene, que manipulou todos para se manter no controle. Ao expor a verdade, a narrativa coloca em xeque a identidade de Zoe e força Fernando a confrontar não só a política que defende, mas também sua própria história. É aqui que a série encontra sua força, lembrando clássicos como “O Segredo dos Seus Olhos” na forma de transformar um mistério em reflexão moral.
No último episódio, Román deixa de ser apenas um cúmplice e assume seu papel como pai de Zoe. Fernando, diante da verdade, escolhe revelar tudo publicamente e surpreende ao apoiar a aprovação da lei ambiental. Esse movimento o posiciona como uma figura de redenção, mas não sem ambiguidade. Sua decisão de assumir erros e proteger a comunidade o transforma em símbolo de mudança, mas também em político que ainda busca o poder, agora mirando a presidência. O final sugere que a redenção existe, mas não vem sem cálculo, não vem sem ambição.
A série ainda coloca cada personagem em um novo lugar. Zoe sobrevive ao sequestro e passa a viver com Román, em um gesto que simboliza tanto a libertação de segredos quanto o peso de carregar uma nova identidade. Irene, a manipuladora por trás das engrenagens, perde sua influência e termina derrotada pelo imprevisível. Fernando, antes refém de sua imagem, escolhe encarar a verdade e reposicionar sua trajetória política. Cada destino é consequência direta das mentiras costuradas no passado, como se Piñeiro estivesse lembrando que a política e a família compartilham o mesmo terreno: a luta pelo poder.
O significado do final vai além da resolução dramática. O lítio, mineral estratégico que alimenta a economia contemporânea, aparece como metáfora das riquezas exploradas sem cuidado na América Latina. O posicionamento de Fernando ao aprovar a lei ressoa como um aceno à responsabilidade social e ambiental, mas também como reconhecimento de que certas feridas familiares e históricas não podem ser varridas para debaixo do tapete. O que está em jogo em “As Maldições” não é apenas o destino de uma família, mas a forma como sociedades inteiras lidam com seus próprios segredos e abusos de poder.
Ao encerrar, a minissérie reafirma a força da literatura de Claudia Piñeiro, conhecida por transformar o privado em comentário político, e coloca a Argentina em diálogo com produções internacionais que usam o thriller como veículo de crítica, como “Bloodline” ou “House of Cards”. Em apenas três capítulos, a obra entrega intensidade, paisagens carregadas de simbolismo e personagens que se revelam aos poucos, culminando em um final que não busca respostas fáceis.
“As Maldições” é, no fundo, um retrato de como as decisões do passado moldam o presente. O último plano deixa claro que algumas verdades libertam, mas sempre deixam cicatrizes.
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