“Psica” chega como uma das produções brasileiras mais impactantes lançadas pela Netflix nos últimos tempos. Baseada no livro homônimo de Edyr Augusto, a minissérie mergulha fundo na Amazônia e, mais do que explorar cenários imensos e grandiosos, escancara feridas sociais que há décadas atravessam o Brasil. Não é à toa que a obra, intitulada internacionalmente como “Rivers of Fate”, alcançou o topo do ranking da plataforma no país e chegou a ultrapassar fenômenos globais como “Wandinha”.
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- Crítica: “Pssica”

O título já indica o espírito da trama. No Pará, “pssica” é uma palavra comum, usada para designar azar, maldição, um fardo invisível que insiste em acompanhar alguém. Essa ideia de destino amaldiçoado atravessa toda a narrativa, pairando sobre os personagens como uma força que os prende, os move e, em muitos casos, os destrói. O que poderia ser lido como uma gíria regional ganha proporções muito maiores: na série, torna-se símbolo de uma engrenagem social que aprisiona jovens e famílias inteiras na violência, no tráfico humano e em um ciclo de injustiça aparentemente interminável.
Assim como em “Cidade de Deus” ou em “Carandiru”, a violência aqui não é pano de fundo, mas motor narrativo. A história central acompanha Janalice (Domithila Cattete), uma jovem que, após ter sua intimidade exposta e rejeitada pela própria família, cai nas garras do tráfico humano. A partir daí, a série costura suas linhas narrativas: Preá (Lucas Galvino), líder de uma gangue nos rios amazônicos, vê nela tanto uma obsessão quanto uma redenção; e Mariangel (Marleyda Soto), marcada pela perda brutal do marido e do filho, busca vingança e encontra em Janalice uma espécie de eco de sua própria dor.
O final da série condensa todos esses conflitos em uma sequência intensa e brutal. No auge da tensão, durante o leilão de meninas no clube Coc d’Or, Janalice demonstra autonomia e astúcia ao planejar sua própria fuga. Não há heroísmo romântico nem resgate milagroso: a protagonista assume a própria sobrevivência, criando um caos que liberta não só a si mesma, mas também várias outras jovens. Esse detalhe é fundamental, porque desloca a narrativa de um salvamento externo para uma resistência interna. Janalice não é vítima passiva, mas força ativa.
Enquanto isso, Preá, figura ambígua entre vilão e possível salvador, encontra seu destino no confronto com Philippe Soutin. A morte de ambos sela a ideia de que ciclos de violência terminam em tragédia, sem espaço para redenção fácil. Mariangel, por sua vez, cumpre sua trajetória de vingadora ao atirar em Preá e, em seguida, transformar-se em guardiã ao acolher Janalice. A ironia aqui é poderosa: quem perdeu a família encontra em outra sobrevivente a chance de reconstruir um laço, ainda que em meio às ruínas.
O momento mais decisivo do final, no entanto, não está no tiroteio nem nas mortes, mas na escolha de Janalice. Ao rejeitar o retorno para os braços da mãe, que antes a abandonou, e optar por viver com Mariangel, ela quebra de vez com a lógica familiar marcada pela omissão e pelo desprezo. Essa decisão é uma declaração de independência e uma resposta dolorosa a uma sociedade que, tantas vezes, empurra mulheres para fora do espaço da proteção. Em vez de reconstituir o passado, Janalice decide caminhar em direção a um futuro incerto, mas ao menos livre daquilo que a aprisionava.
Ainda assim, “Pssica” não entrega soluções confortáveis. Vilões como o prefeito Brazão e o traficante Zé Elídio permanecem impunes, lembrando que a engrenagem criminosa segue girando. Essa opção narrativa aproxima a minissérie de outras obras que expõem realidades sociais sem recorrer a finais idealizados, como “Tropa de Elite” ou mesmo “Narcos”. O mal não é derrotado, ele apenas se desloca. A vitória de Janalice e Mariangel é íntima e parcial, mas suficiente para que o espectador entenda a dimensão da resistência.
O último episódio, portanto, deixa claro que “pssica” não é só uma palavra de azar, mas um estado de mundo. Uma maldição que se alimenta de instituições falhas, da violência normalizada e do silêncio social. Ainda assim, dentro dessa escuridão, a série abre pequenas brechas de esperança, mostrando que resistir pode significar reinventar os próprios laços, encontrar família onde antes só havia perda e reconstruir a vida em territórios improváveis.
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