Eduardo Martinez – especial para o Caderno Pop
A banda paulistana O Terno acaba de lançar seu quarto trabalho, <atrás/além>. Um disco conceitual, denso e, artisticamente, um passo além do álbum anterior, “Melhor do Que Parece” (2016), que trazia traços mais próximos do pop rock.
Tim Bernardes, vocalista, guitarrista e compositor da banda, bateu um papo com a gente e falou do processo criativo do disco, da reação dos fãs, da influência do seu disco solo, “Recomeçar” (2017), no novo trabalho e de várias outras coisas.
Como foi o processo criativo das músicas do “<atrás/além>? As músicas foram feitas todas já pro disco ou já tinha algumas que você retomou? Foi depois do processo do “Recomeçar”? como foi isso?
Tim: Foi depois do processo do “Recomeçar” sim. Quando eu saí do estúdio em que eu tinha gravado o “Recomeçar”, ainda não tinha lançado, eu tive uns meses ali de tipo um limbo. Um vazio entre: “Já gravei o disco, mas ainda não lancei”, não estava fazendo show com O Terno… Foi desse vazio que surgiu as canções. Eu tinha gravado todas músicas que eu tinha, então eu não tinha mais nada no baú pro próximo disco do Terno.
Entendi, o “Recomeçar” fez aquela raspa do tacho.
Tim: Fez aquela raspa, porque de alguma forma ele era um disco que eu tinha na gaveta, mas que já era também um disco pronto em um conceito assim, né? Era um grupo de canções. E aí eu comecei a compor muito influenciado por esse momento todo. De repente, de um momento numa solidão, de uma busca minha comigo mesmo, me preparando pra dar um salto de emancipação, tanto no sentido saindo da casa dos pais, quanto em relações anteriores, de fazer um primeiro disco sozinho, de compreender de alguma forma o fim de uma fase da minha juventude, de entrada na vida adulta e todas as esperanças, e as nostalgias, e os medos e as vontades dessa fase. Acho que esse conjunto de canções surge desse ponto, é um retrato desse ponto. E aí, pela primeira vez, eu compus não só um compilado de canções, mas um disco de fato. Eu acho que, ainda antes de mostrar pros meninos, depois que eu compus algumas músicas, eu entendi que elas se relacionavam e que eu tinha mesmo que ir fundo nesse lance de instituir um eixo temático, ter um conceito por trás, ser um disco sobre esse salto, sobre esse vazio que propõe e tudo isso. Então, o processo criativo foi diferente porque, quando eu entendi que eu estava compondo um disco e não um conjunto de canções, eu vinha enxergando: “ah, que outro ângulo eu quero colocar aqui?” Ou se essa música se encaixa naquela. A capa me surgiu também nessa mesma época, que eu criei a coisa de ir montando e emancipando e desmembrando O Terno, sabe? Os desdobramentos da banda ali graficamente… Então, o processo criativo do disco veio aí. Aí depois chegou o momento que eu fui mostrar as músicas pra eles e a gente começar pensar como a gente ia colocar isso em prática.
É interessante vocês pensarem em um “álbum conceito” em uma época em que, mercadologicamente falando, cada vez mais é voltada pra single. Pessoal não pensando muito em disco e vocês chegam com um disco todo conceitual… é bem interessante isso.
Tim: Acho que essa coisa também do single e tal, é uma coisa de um nicho específico de um pop muito muito pop, sabe? Sendo O Terno, faz mais sentido lançar a narrativa, um álbum assim, do que acatar um máxima dessa de que hoje em dia formato álbum é mais assim e playlist é mais assado. Acho que é muito mais qual é o formato mais potente pra passar o que a gente quer passar? E nesse caso, acho que o álbum é uma imersão nas canções e a junção delas também comunicam uma coisa além, sabe?
É meio estranho falar da influência “sua em você mesmo”, mas é bem visível na sonoridade do disco como a sonoridade que você trouxe no “Recomeçar” perdurou bastante. As orquestrações e tudo mais. Como foi chegar com essa proposta pra banda como um todo, já que muitas músicas acabam fugindo do formato “power trio” que vinha mais dos discos anteriores?
Tim: Essa coisa de fugir do formato power trio é uma coisa que a gente já vinha curtindo fazer no próprio “Melhor do que parece”, né? De não ficar preso a nenhuma estrutura. A gente ia fazer rock, a gente fazia rock, se depois a gente não queria fazer e tinha gente que achava que a gente ia continuar fazendo, a gente ia fazer o que a gente quisesse, parar de fazer rock e voltar… Então, eu acho que o “Melhor Do que Parece” já apontava algumas coisas, essa coisa de arranjos de sopros, de cordas já começou aparecer lá. Foi uma coisa que eu desenvolvi bastante no “Recomeçar”, acho que eu assumi ali uma linguagem minha desse tipo de coisa e é uma coisa que eu pude desenvolver acho que mais um estágio nesse disco, assim. Também eu aprendi uma coisa e agora eu quero reproduzir ela, sabe? Eu tenho vontade de ir aprimorando e explorando mais coisas nessa linguagem. Então, eu acho que, de uma forma, o “<atrás/além>” tem muito a ver com o “Melhor do Que Parece” e com o “Recomeçar”, sabe? Um desenvolvimento, andar pra frente com essa coisa que vem desses dois discos, de ter a banda tocando como se fosse parte de uma orquestra. E a canção ser o primeiro plano da coisa.
Ouvindo você falar isso, faz todo sentido o formato do “<atrás/além>”, meio que um meio termo entre o “Melhor do Que Parece” e o “Recomeçar”. um Equilíbrio. Falando nesse formato, como vocês planejam os shows, já que a sonoridade do disco tem bastante orquestração e vários outros instrumentos? Vocês já tem o formato de como vão ser os shows dessa temporada?
Tim: Sim. O início da turnê toda, pelo menos, vai ser em uma formação de nós três mais um quarteto de sopros. O que vai fazer com que esses arranjos, que são maiores do que o trio, eles vão acontecer, mas não necessariamente exatamente como é no disco, a gente também não quer ficar muito preso a não poder usar o show como um lugar de criar também, sabe? Então, por exemplo, não vai ter cordas, então muitos arranjos foram criados de um outro jeito e a coisa tem outras abordagens. Tem um lance de, de vez em quando, de a gente tocar nós três só e ter uma coisa do formato trio, acho que a gente tem tocado cada vez mais como um trio de velhinhos que se conhecem a muito tempo, sabe? Então a gente pode tocar a canção de um jeito muito simples, mas que já tem um requinte por tocar junto a muito tempo. Então, acho que a gente quer construir um show como se fosse um outro álbum assim, sabe? Ele é uma viagem. O clima do “<atrás/além>” transportado pra esse show, a base do repertório é o “<atrás/além>”, mas O Terno do “<atrás/além>” vai tocar também muito de outros discos do Terno. É o retrato da gente agora, como a gente toca e como a gente traz esse clima de arranjos grandes e tal.
Desde o lançamento dos primeiros singles do “<atrás/além>”, muitos fãs começaram a bolar várias teorias. Acho que já sentindo esse lance conceitual do disco. Disseram ue seria uma despedida da banda, que depois da turnê a banda acabaria, que o disco estava dando todos os sinais disso. Parecia fã da Marvel procurando easter eggs nos filmes. Eu queria saber se vocês viram isso, se vocês acompanharam isso e como vocês encaram esse fato de uma obra de vocês gerar uma repercussão a ponto de fãs investigarem a situação?
Tim: É muito legal ver (risos). O disco realmente tem muita coisa ali, tem muitos símbolos. E ver que as pessoas se envolveram com a obra até então, pra se debruçar assim nos detalhes do disco, isso é muito legal. Isso incita as pessoas também a analisar o disco a fundo. Tem coisas sendo ditas claramente e tem coisas sendo ditas nas entrelinhas, que tem símbolos e sinais poéticos ali, e pra além de uma teoria de despedida ou não, mais uma coisa de entender o sentido das músicas porque tem muitas músicas que estão falando, ainda que de uma maneira simples, de assuntos muito profundos humanos e como essa geração tá passando por esses assuntos.
Ainda nessa onda de conceito e teoria dos fãs e tudo mais, eu queria perguntar sobre uma música específica, que é “Bielzinho/Bielzinho” (Bielzinho é Gabriel Basile, baterista da banda), que eu imagino que os fãs que entraram nessa onda de teoria, meio que quebraram a cabeça quando viram várias músicas que o título é composto por ideias antagônicas (“Nada/Tudo”, “Profundo/Superficial”) e de repente aparece “Bielzinho/Bielzinho”, sendo diferente até um pouco na sonoridade. Como você pensa nessa música no conceito do disco, ela parecendo um ponto fora da curva?
Tim: Eu vejo como um ingrediente importante no disco, até por dar uma quebrada, sabe? Ela dá um refresco no disco. Ela zoa até o próprio conceito do disco de alguma forma. E é uma coisa que O Terno sempre fez. Sabe se levar a sério, mas também sabe se zoar minimamente. Eu acho que ela dá um ânimo e um respiro pra você consumir um disco que é muito denso, tem muitas coisas, sabe? Essa música então tem um papel importante no conjunto das canções e eu acho que ela se relaciona com o disco muito por ser um disco que fala muito do próprio Terno também. E essa música tá falando sobre nós três tocando juntos, sobre como eu gosto e como é legal poder tocar com seus amigos e é uma homenagem ao Bielzinho, que é essa figura engraçada e marcante no Terno. É uma oportunidade pra gente fazer uma música que também a gente toca um pouco mais forte, mas também… É um samba e é um rock’n roll na coisa. Tem orquestração. Então ela mostra muito do lado do Terno, lados que estão no disco e lados que não estão no disco. Então, essa música, acho que ela completa a coisa ali e ela dá o equilíbrio do disco.
Até o lugar onde ela está na ordem das músicas é bem estratégico mesmo pra dar aquele respiro e chegar na parte final.
Tim: É, é bem no meio.
Pegando trechos isolados de algumas músicas, como em “Pegando Leve”: “Me cansam tantos hipsters e modernos de plantão”. Também a parte de “Profundo/Superficial”: “Triste geração que pode tudo”. Eu tava ouvindo e até me veio na cabeça “Smells Like Teen Spirit” (música do Nirvana) (risos).
Tim: O que? “Smells Like Teen Spirit”? (risos)
Como foi pra você esse pensamento, sabendo que muitos “hipsters e modernos de plantão” são fãs de vocês? É um forma de pensar toda essa situação?
Tim: Acho que ali é uma coisa que já tinha acontecido, por exemplo, em “Eu Confesso” (música do segundo disco do Terno). Eu falo: “Me cansam tantos hipsters e modernos de plantão, me cansa ser mais um”, então eu estou, de alguma forma, me zoando. É essa geração que eu to falando. Nossa geração, esse nicho, que existe uma ansiedade nessa cultura hipster de ser sempre diferente, sempre tem uma coisa assim, quem ouviu primeiro e quem não sei o que lá, é uma coisa assim meio insaciável, e que isso é impulsionado pelo ritmo que já é a mídia social e a imagem de você ficar lidando muito com fotos, com imagens, com instagram, com não sei o que… A coisa é muito rápida. E por trás disso, muitas questões pessoais, minhas e de nós vão ficar em algum lugar, sabe? Em um primeiro momento pareceria que é uma geração rasa, mas justamente por ser uma geração que trabalha tanto na superfície, é uma geração muito complexa e interessante de se debruçar no que está por baixo, no profundo.
Sobre as participações no disco, do Devendra Banhart e do Shintaro Sakamoto na música “Volta e Meia”, como surgiu a ideia dessas participações e como foi o contato com eles?
Tim: Surgiu porque a gente tinha tocado em um festival na Alemanha que tinha Devendra, tinha Terno e tinha Shintaro no line up. Lá a gente encontrou com o Devendra que a gente já conhecia porque a gente abriu o show dele em São Paulo e ele já gostava da banda e lá a gente bateu papo, falou sobre o Shintaro, que tava animado pra ver o show, fomos ver o show do Shintaro juntos lá. E depois do Shintaro veio o nosso e o show do Devendra. Então eles meio que se curtiram lá, sabe? De uma maneira bem tranquila, sem ter que um vender o peixe pro outro. A gente bateu o santo numa boa. Aí quando a gente voltou e tava fazendo o disco aqui, a gente imaginou essa ideia de chamar eles, e chamando os dois também era interessante porque a gente estaria juntando os dois em uma música, que era uma coisa que ainda não tinha acontecido. Então, a gente fez o convite, eles toparam… Acho que foi uma coisa muito tranquila porque foi uma admiração sincera mútua, sem o marketing na jogada.
Na questão da sonoridade do disco, você consegue pensar em influências de pessoas com quem você trabalhou nesse tempo, com Jards Macalé, Paulo Miklos. Como essas colaborações impactaram na foram de fazer um próximo disco do Terno?
Tim: Eu enxergo essa coisa de parceria como uma coisa em paralelo na minha carreira de compositor autoral. Nos meus discos, com o Terno e solo, eu to construindo quase que uma história só, sabe? Escrevendo uma história de memórias ou de sensações. E quando eu escrevo em parceria é uma coisa muito diferente pra mim, é quase como se eu estivesse fazendo um jam. Não to falando mais necessariamente da minha vida, sabe? Então é um negócio que justamente por isso é muito legal. É uma experiência que não é o que eu to acostumado e que me leva a lugares diferentes e resultados diferentes. E isso é uma coisa que foi muito legal. Com o Jards foi muito bacana. Com o Miklos, inclusive, uma das que ele gravou, na verdade não era nem uma parceria, era
“Eu Vou”, que tá nesse disco. Mas acho que isso não interferiu muito no meu caminho de compositor da obra autoral sozinho, né? Não em parceria. É quase como se fosse uma história em paralelo.
Pra finalizar. Vocês falaram bastante da questão do “<atrás/além>” ser o ponto do meio, uma transição, talvez um divisor de águas, algo assim. E, considerando isso, o que vem depois? Pra onde vai o som do Terno? Já tem alguma ideia disso?
Tim: Eu acho que, de certa forma, ele é um disco desse salto. Como se subisse no muro e desse esse salto e a gente não sabe pra onde. Então ele é um disco muito sobre o fim de tudo que veio até aqui. Pra gente entender que acabou essa fase da nossa vida, sabe? Então não estamos cantando mais sobre ciclos, fim de ciclos pequenos, sabe? De dois em dois anos, ou de um relacionamento, de alguma outra coisa. Realmente esse disco tá falando da coisa como um todo. Do ciclo maior. Então é um disco muito sobre o fim, das coisas deixadas pra trás e qual é o clima dessa despedida também, que é um clima com muita esperança do futuro, de vontade, de tudo isso. Parece que pela primeira vez é um disco que ele marca o fim de uma fase toda de formação, quase uma colação de grau do Terno. Que agora aprendemos muitas coisas com os nossos ídolos, com os nossos pais, com o nosso passado, com as nossas relações, com os nossos amigos. E quem que a gente se tornou. Então agora que a gente se tornou uma pessoa assim, um ser humano adulto, livre, pra onde a gente vai? Pra onde a gente quer levar? E aí entra o desconhecido “pra onde vai?”. Pela primeira vez a gente não tá pensando no próximo disco de forma clara assim. A gente não sabe: “agora vamos fazer um disco assim, assado…”. A gente quer fazer um próximo disco, mas não quer pensar a priori, sabe?
Entendi, vocês vão “mergulhar na surpresa” (nome de uma música do Maurício Pereira. Cantor, compositor e pai do Tim Bernardes).
Tim: É (risos)
Inclusive essa referência (na música “Passado/Futuro”) foi emocionante quando eu ouvi a primeira vez.
Tim: Sabe que essa música do meu pai, ele escreveu essa música porque, eu era pequenininho, devia ter uns 2 ou 3 anos e a gente foi pra um sítio, de não lembro quem, e tinha uma represa e eu falei: “Pai, amanhã a gente pode mergulhar na surpresa?”. E o menino na música sou eu, né? “imaginando o que o menino quis dizer com ‘mergulhar na surpresa'”. Tem muito a ver com esse salto também. Eu homenageei meu pai e o salto pra eu, não mais como filho, mas como um indivíduo solto.
Ficou ainda mais legal agora a referência, sabendo disso.
Ouça <atrás/além>:
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