De Uberlândia para o mundo, Pabllo Vittar percorreu de 2017 para cá uma trajetória de foguete daquelas que nem a ficção científica avalizaria. Ela derrubou, de uma tacada só, preconceitos e a noção do que pode ou não ser sucesso no Brasil com o álbum “Vai Passar Mal”. Depois, foi bater lá nos top 100 globais com “Sua cara”, música do Major Lazer com participação também de Anitta. E mais do que tornar-se uma estrela internacional da música brasileira, referência LGBTQ+, musa da internet, assunto de todos os dias, corpão arrasador, tapa na cara da sociedade retrógrada, soldada do respeito, Pabllo ainda pode se orgulhar de entrar para a história por ser a primeira drag indicada a um Grammy. Coisa de sonho, de respirar fundo e tirar um tempo para refletir. Mas ela não quer desacelerar o bonde: chegou a hora de seu segundo álbum, cujo título diz tudo: “Não Para Não”.
“O disco foi pensado como uma noite comigo: tem música pra se acabar de dançar, música pra chorar pelo boy lixo, enfim, tá incrível“, promete a cantora. Produzida, mais uma vez, pelo Brabo Music Team (BMT), mesmo time do primeiro álbum, a Pabllo de “Não Para Não” tem sua potência concentrada num disco que não vai além dos 27 minutos de duração. Nas suas dez faixas, o ouvinte/dançarino faz um caleidoscópico passeio pelo que há de mais internacional na música brasileira – e de mais brasileiro na música internacional – em híbridos fantásticos nascidos no laboratório BMT.
Apertou o play, o negócio é o seguinte: aperta também o cinto porque o brega vai tocar e não vai parar mais. O disco começa em alta rotação com “Buzina”, definido pelo seu produtor musical, Rodrigo Gorky, como “o que seria o k-pop se fosse feito no Brasil“. Uma faixa maximalista de sons e sensações, convocação para a festa sem limites que se inicia. “Preste atenção no poder da tentação e da buzina quando toca fazendo sair do chão”, pede Pabllo. Afrobeat e forró, num beat presentado por Diplo, se apresentam na faixa seguinte, “Seu Crime”, na qual a cantora revela um timbre mais grave, ainda desconhecido do grande público, e não mede os queixumes da paixão: “Eu acho que passou da hora de assumir sua culpa, seu crime foi me amar.”
Primeiro single do disco, com um vídeo que rapidamente passou dos 40 milhões de views, “Problema Seu”, nada mais é do que um eletropagode baiano, lembrança da música que Pabllo ouvia na infância e adolescência no Nordeste. “Eu te avisei pra não ficar me esperando / eu não sou santa e a pista tá fervendo / pode vir quente que o DJ tá chamando / eu tô pegando quem quiser”, avisa ela. Já “Disk Me”, música que teve 23 arranjos diferentes, acabou virando um romântico r&b com bregão, no estilo das divas Marcia Felipe, Solange Almeida e Mylla Karvalho, ex-Companhia do Calypso. O tom da letra é indignação: “Que coragem você tem de me ligar às 4 da manhã pra me falar de amor… o que você tomou?”
Forró e PC Music se acasalam em “Não Vou Deitar”, outra das faixas em que Pabllo solta os cachorros (“eu não vou deixar você me controlar, não vou voltar!”). Numa vibe mais festeira e positiva (“vou degustar a vida como um copo de gin”), “Ouro” inaugura no disco a série de participações especiais: quem divide a música com Pabllo é sua melhor amiga, a multitalentosa Urias. “Trago Seu Amor de Volta”, por sua vez, tem dueto com Dilsinho, estrela do samba pop, numa espécie de axé anos 90, triste-alegre, em versão 2018: “trago seu amor de volta / não quero nada em troca / o que o destino uniu ninguém vai separar”. E em “Vai Embora”, mistura de trap com pagodão baiano feita a partir de uma base de Rafa Dias, do grupo baiano ÀTTØØXXÁ, quem dá o papo reto com Pabllo é Ludmilla: “Você perdeu o jogo / se prepara pra faxina / eu vou passar o rodo / e te limpar da minha vida.”
E quem diria que Pabllo ia tentar a sorte no departamento “Havana” de Camila Cabello? Que nada! “No Hablo Español” é pura tiração de sarro de quem aprendeu espanhol assistindo à série “Rebelde” e que reconhece, de forma sacana, a sua falta de habilidade com o idioma: “lo siento, amor, pero no hablo español / por isso deixo meu corpo falar / e sua língua me levar / pra lá e pra cá.” Para continuar fugindo das obviedades latinas, “Miragem” encerra o disco investindo na mistura de cúmbia com rasteirinha, num romance de alta voltagem: “Seu beijo é um perigo, engana meus sentidos, esse amor bandido não dá.”
Feito para o brilho sem par de Pabllo Vittar, “Não Para Não” é, na verdade, um grande esforço colaborativo do qual a cantora com os parceiros da BMT, equipe montada pelo seu produtor musical, para fazer essa música “que tem que agradar a pessoas de backgrounds diferentes“. Dele, fazem parte, além de Gorky, o produtor de música eletrônica Maffalda (o paulistano Arthur Gomes), o compositor carioca Pablo Bispo, Zebu (Guilherme Pereira, de São José dos Campos, famoso pela versão de “Medo bobo”, de Maiara & Maraísa, gravada pelo cantor Jão) e Arthur Marques (da banda de indie rock Mickey Gang, de Colatina, que já compôs para Iza, Lucy Alves e Cleo Pires).
Um disco acelerado, urgente, pulsante e frenético, porque a música não pode parar.