Existe uma força silenciosa em “40 Acres” que raramente se vê no cinema de ação contemporâneo. Uma tensão constante percorre o filme, não apenas nas cenas de confronto, mas nas relações interpessoais e no modo como o ambiente molda os corpos, os diálogos e as decisões. O diretor R.T. Thorne estreia no longa-metragem com um trabalho que transita entre o suspense apocalíptico e o drama familiar com uma fluidez desconcertante. O que poderia ser mais um produto genérico do gênero distópico se revela uma obra de afirmação cultural, resistência e identidade.
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A escolha de situar o filme num futuro de escassez, onde a fome estrutura o comportamento social, transforma a terra em território sagrado. Em vez de recorrer a grandes explicações ou construir um universo excessivamente elaborado, Thorne aposta no essencial: uma família tentando manter-se de pé diante do colapso. E é exatamente nessa contenção que reside o poder do filme. O que move “40 Acres” não são os artifícios narrativos ou os efeitos visuais, mas a crueza com que representa a luta por dignidade em meio ao caos.
A presença de Danielle Deadwyler é magnética. Ela conduz o filme com um tipo de performance que carrega, ao mesmo tempo, o peso da ancestralidade e a fúria do presente. Sua atuação é o ponto de equilíbrio entre o instinto de sobrevivência e a ternura silenciosa que emerge nos momentos de pausa. O que poderia ser apenas um papel funcional ganha camadas pela forma como a atriz articula voz, olhar e silêncio. Há algo na interpretação de Deadwyler que confere ao filme uma espécie de gravidade emocional constante.
Visualmente, o longa é preciso. A fotografia de Jeremy Benning mergulha na aridez das paisagens sem fetichizar a destruição. O que vemos é um mundo à beira do fim, sim, mas ainda dotado de beleza, de cor, de tempo. Há uma tentativa clara de não fazer da desolação um espetáculo. E quando a violência irrompe, ela vem suja, irregular, necessária não como catarse, mas como consequência de um estado limite.
A direção de Thorne carrega a marca de quem vem do universo dos videoclipes, o que confere ao filme uma sensibilidade rítmica peculiar. Alguns planos parecem coreografados, mas sem perder o senso de urgência. Há sequências que se destacam por seu rigor estético, sem jamais comprometer a verossimilhança daquele mundo. O resultado é um filme que transita entre o contemplativo e o brutal, entre a fábula política e o thriller tenso. Uma obra que se sustenta no embate entre o íntimo e o coletivo, entre o passado negado e a herança que resiste.
Embora o roteiro seja econômico no desenvolvimento de personagens secundários, o núcleo familiar é tratado com profundidade o suficiente para que cada gesto, cada decisão, reverbere. Não se trata de criar arquétipos, mas de desenhar figuras que habitam a margem com dignidade. Há uma melancolia latente em cada tentativa de se manter vivo, como se a sobrevivência por si só já fosse uma forma de protesto.
“40 Acres” fala, acima de tudo, sobre território. Sobre quem tem direito à terra, à memória, à continuidade. E faz isso com elegância, tensão e honestidade estética. É um filme que se inscreve num momento político e simbólico onde a ficção científica se tornou uma extensão da realidade não como fuga, mas como espelho ampliado de tudo aquilo que já está em frangalhos.
Um estreia contundente, envolvente e incômoda, que demonstra como o gênero pode ser repensado à luz de novas urgências. “40 Acres” não propõe soluções nem redenção. Propõe resistência. E isso já basta.
“40 Acres”
Direção: R.T. Thorne
Elenco: Danielle Deadwyler, Kataem O’Connor, Michael Greyeyes
Disponível em: Em breve nos cinemas
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