“A Garota da Vez” marca a estreia de Anna Kendrick como diretora e revela sua abordagem firme e cuidadosa ao explorar as complexas dinâmicas das relações humanas e o impacto da mídia sobre elas. O filme, baseado em um caso real, revisita um dos episódios mais perturbadores da televisão americana: a participação do serial killer Rodney Alcala no programa de encontros dos anos 70, “The Dating Game“. Mesmo já responsável por uma série de assassinatos, Alcala conseguiu se passar por um pretendente comum, ganhando destaque no programa e capturando a atenção da protagonista, Cheryl Bradshaw.
O longa se passa em 1978, quando Cheryl (interpretada pela própria Anna Kendrick) participa de um popular programa de encontros, onde escolhe Rodney Alcala (Daniel Zovatto) como seu pretendente. O que Cheryl não sabia, e o público também não, é que Alcala já era um assassino em série ativo. O filme alterna entre os eventos no set de gravação e flashbacks que exploram os crimes anteriores de Alcala, costurando uma narrativa não-linear que enfatiza o contraste entre sua imagem pública carismática e sua verdadeira natureza.
A atuação de Daniel Zovatto como Alcala é um dos pontos altos da produção. Ele transmite o magnetismo superficial que o assassino usava para atrair suas vítimas, ao mesmo tempo em que deixa transparecer, em momentos sutis, uma malícia perturbadora. Zovatto consegue equilibrar o charme de Alcala com a ameaça constante que ele representa, um trabalho essencial para manter o suspense do filme.
Anna Kendrick, por sua vez, assume o papel de Cheryl Bradshaw com competência, trazendo à personagem uma vulnerabilidade bem dosada, sem perder a força e a inteligência que definem sua presença no programa. Um momento particularmente marcante é quando Bradshaw, frustrada com as perguntas clichês do programa, decide subverter as regras e desafia os participantes com questões mais profundas e inesperadas, revelando o quanto ela está à procura de algo além das aparências – uma crítica implícita à superficialidade das interações promovidas pela televisão.
Na direção, Kendrick demonstra habilidade ao construir um clima crescente de tensão. Sua escolha por um ritmo narrativo que salta entre diferentes momentos da vida de Alcala é eficaz para criar um senso de inquietação no espectador, que acompanha não apenas os eventos do programa, mas também os detalhes dos crimes cometidos. No entanto, alguns dos flashbacks podem parecer repetitivos, prejudicando a fluidez da narrativa em certos momentos. Ainda assim, a decisão de manter o foco na experiência de Bradshaw, sem desviar para a tradicional investigação policial, confere ao filme uma singularidade interessante.
A ambientação dos anos 70 é outro destaque, com uma recriação visual precisa que capta tanto o charme quanto a artificialidade da era televisiva. Kendrick também utiliza esses elementos para criticar a cultura de entretenimento da época, onde a objetificação e a desumanização das mulheres eram práticas comuns, algo que o filme denuncia de maneira implícita ao mostrar a forma como os homens tratam Cheryl dentro e fora do programa.
Contudo, o final do filme, que inclui uma explicação textual sobre o destino dos personagens, acaba enfraquecendo o impacto narrativo construído até então. A opção por inserir informações importantes através de texto em tela, ao invés de integrá-las visualmente na história, reduz a força emocional do desfecho.
“A Garota da Vez” é um thriller psicológico bem construído, que mescla com habilidade os elementos de suspense com uma crítica às interações superficiais e perigosas que podem se esconder por trás das aparências. Kendrick faz uma estreia sólida na direção, se posicionando uma voz promissora no gênero.
Além de fazer parte da programação do Festival do Rio, o filme chegará aos cinemas do Brasil em 10 de outubro de 2024. Para mais informações sobre ingressos, basta clicar aqui.